Scholastique Mukasonga
Parte da condição humana é sempre haver alguém para construir e um outro para destruir. Eu escrevo sobre coisas trágicas e terríveis. Mas são essas coisas que também podem servir para acordar as pessoas quando elas estão quase dormindo achando que está tudo bem.
Os assassinos quiseram apagar até suas lembranças, mas no caderno escolar que nunca me deixa, registro seus nomes, e não tenho pelos meus e por todos aqueles que pereceram em Nyamata, nada além deste túmulo de papel.
Os brancos pretendiam saber melhor do que nós quem nós éramos e de onde vínhamos. Eles nos apalparam, nos pesaram, nos mediram. As conclusões a que chegaram foram categóricas: nossos crânios eram caucasianos, nossos perfis, semíticos, nossa estatura, nilótica. Eles conheciam até mesmo nosso ancestral, estava na Bíblia e se chamava Cã.
Mãezinha, eu não estava lá para cobrir o seu corpo, e tenho apenas palavras – palavras de uma língua que você não entendia – para realizar aquilo que você me pediu. E estou sozinha com minhas pobres palavras e com minhas frases, na página do caderno, tecendo e retecendo a mortalha do seu corpo ausente.
Minha mãe era uma contadora de histórias reconhecida. Ela não sabia nem ler nem escrever e desconhecia o francês. Mas se eu tenho qualquer talento de escritora, é a ela que eu devo essa habilidade. Mais do que o título de escritora, reivindicarei o de contadora de histórias.