Sandra Fuentes
Então descobri como é o silêncio da morte. Assisti ao desencanto dos sobreviventes que não sabiam ao certo o motivo da celebração. Arrastam-se com um orgulho mentiroso por não terem conhecido o lado onde me encontro agora. Conto os dias para a minha ressurreição, mas temo por nascer de novo. Pretendo permanecer onde a mudez é regra. Tento traduzir o que minha alma canta. Não entendo mais seu idioma. Muito menos o que escrevo. E a solidão é faca sem gume. Cega, sádica, violenta. Corto meus cabelos, corto meus pulsos, corto relações com a luz do dia. Releio meus textos de trás pra frente. Até que um dos três morra...
Vi de perto o fio da navalha que corta a poesia ao meio, que divide estrofes e separa os versos. Não há aborto sem sangramento. O Mar Morto que sai dos meus olhos não estanca a hemorragia das últimas horas. Escrevo uma carta para mim mesma que será postada com a data de ontem. Talvez seja colocada debaixo da porta. Ficarei em silêncio e hoje não estou para ninguém. Nem para mim. Publicarei as tuas memórias em folhas azuis. Dedicarei meus delírios à tua covardia. Mesmo assim, te peço perdão pela minha inocência.
TRINTA SEGUNDOS
Vivendo num filme de trinta segundos esperando o apagar das luzes dou início a uma longa conversa comigo mesma percebendo uma aglutinação de poetas na minha mente prisioneira começo o monólogo e fagulhas de equívocos entram pelas frestas da janela quando tudo dorme e a madrugada faz silêncio eu tento uma poesia exorcista contundente-convincente-eloquente recomeço a busca procurando letras como se fossem cápsulas de analgésico de efeito instantâneo para um corpo bipolar e continuo a vigília enquanto o filme passa aguardo tentando não recordar o pretérito-mais-que-perfeito de um amor eterno e efêmero rogando para que depressa amanheça.
SEM SENTIDO
Uma nuvem carregada de saudade paira sobre o meu telhado.
Percebo quando meus olhos começam a chover
E em cada gota vejo teu nome
Procuro abrigo de forma inútil
Então,
Molha meu rosto como fazias
Faça um temporal no meu corpo
Abriga-te
Tu
Em mim
De vez
Sem pressa
Olha, tu sabes que te amo
E assim permaneceria Mesmo que a chuva me afogasse
E eu perdesse os sentidos
Porque te espero
Mesmo que nunca chegues
Implacável é o tempo...
Eu dou corda em teus minutos no silêncio dos meus dias insanos.
Enquanto tuas digitais
Permanecerem em minhas costa
E o último beijo não teria sido doce...
Não saberia dizer por que o adeus não cabe nos versos. A imensidão das palavras que eu levarei acorrentadas para que não saiam pelos meus olhos. O amor.
Enlaçados pelos dias de saudade eterna.
Sepultando um futuro com terra fervendo, queimando os sonhos, abortando os corações pela boca.
Deito em cacos de vidro esperando que alguém me veja e me socorra e me liberte e me cubra de sangue para a remissão dos meus pecados sem perdão.
Abrir mão do paraíso e voltar ao inferno por ter esquecido a senha. Dar de cara com o diabo que ri da minha e da tua fraqueza e me joga na cara todos os meus poemas ridículos. Faz escárnio, grita o teu nome e joga tuas fotos no fogo eterno.
Dê as costas, suplico!
E livra-me de todo o mal.
Amém.
O que se faz de um amor exposto na vitrine
Intocável e com uma placa onde se diz “vendido”?
Baixo os olhos e sigo?
Ou quebro o vidro, pego e saio com as mãos sangrando?
Afinal, quem me veria
Estancando a hemorragia
No sal do mar, no teu corpo
Onde eu me afogaria...?
Sabes que voaria contigo até o infinito
Eu era a leveza e a intensidade de um amor
Os relógios do mundo paravam quando tua boca tocava a minha
Eu sorria ao lembrar que dividia contigo o mesmo universo
Hoje caminho pelas ruas sem mais procurar por ti
Sei onde estás
Sei quem tu és
"Inteiro
Metade
Fragmento
Átomo"
Hoje minha pele é fogo
E queima a tua
Meu coração é nuvem
Partículas de poeira
Perdi os sentidos
E fiquei com uma poça vermelha
Sob meus cabelos
Silêncio.
Respeite os mortos
E vista branco para o funeral
Escreva em minha lápide:
"Eu te amo"
Desenho meus traços em folhas velhas
Descrevo-me em linhas silenciosas
mas
em
novos passos, novos laços e novas sílabas
Se-pa-ra-da-men-te
...
De forma delicada
Como um anjo
Que joga letras ao vento
Esperando que protegerá a si mesmo
de sua poesia funesta
e
dos estragos de uma ventania
causada
por suas próprias asas
Dias escuros
De sol quente
Inversão de versos
Típicos dos que correm
Atrás de si
Eu junto pedras
Para a reconstrução
Do meu abrigo
Escondo sílabas
No fundo das gavetas
E enquanto eu grito em silêncio,
Só Deus me ouve
Escondo-me na fumaça
Do incêndio causado
(por mim)
Fogo da Culpa
Labaredas do Medo
Chamas da Solidão
Luz intensa do Abandono
Um monólogo em frente à parede branca
Num sussurro que ninguém ouve
(Só)
Desta vez...
Eu prometo
Que vou só
Volto um dia
Pois sei que estarei
De braços abertos a minha espera
Traduza-me
Sinta as letras na minha pele
Perceba nas entrelinhas
O meu alfabeto
Toca-me
Leia-me em braile
Releia...
Em todos os idiomas
Dialetos
Prove meus versos
Meus verbos
O gosto da poesia
Destaque uma frase
Um termo
Rabisque
Rasure
Refaça
Pegue na minha mão
E feche o livro
Queres ver o que tenho pra ti?
Pega o café e senta aí
Olha as fotos deste álbum
Conheces esta senhora aqui?
Sou eu, meu querido!
Espantado?
É, meus cabelos sempre negros, verdade... Agora é isso aí.
O meu relógio é diferente, embora eu tenha lhe arrancado os ponteiros pra me fazer de besta.
Não quero que me entenda. Sim, ainda tenho quarenta.
Não ouve direito o que eu digo?
O que o tempo fez contigo?
Ah, claro que eu entendo.
Escutar eu escuto ainda, mas minha miopia...
Esse vestido preto...
Eu não gostava dele, lembra?
Mas, vá, vê outra foto.
E toma o café senão esfria.
O café!
Haja paciência.
Vá olhando as fotos e responda, tu escreves ainda?
Porque, eu, só de vez em quando...
Claro que sou eu na foto. A que está te esperando na esquina desde 2011.
Sim, na esquina. Pensei que desceria num daqueles ônibus. Que nada! Nem passa mais condução por ali, meu velho.
Mas, leva pra ti o álbum. Vê as fotos com calma.
Vou embora e espero te encontrar no passado, mais jovem...
Vai tomar o café frio???
Haja paciência!
Da parte de ti que eu levei comigo
Senti o pulsar de um amor que tive por alguns instantes
Fui o breu do medo
E fui a luz do sonho de um querer secreto
Senti-lo em mim em uma dimensão maior
Com um rosto e um nome
(Fragilidade e espanto)
No ventre de vidro
Um coração que pulsa
No ritmo dos planos daquilo que não se quer
Do amor por algo que não se deseja
Hoje o sol nasceu vermelho
E despertei com um meio sorriso
Por gerar teu filho em um dia
E vê-lo nascer nas primeiras horas
Em forma de amor
Breve amor
Eterno
Vapor...
Volátil
Teu
O verbo naufraga em silêncio
[como de costume]
E eu, avessa a tudo
Levo comigo o cofre com os meus sete desejos
Não há vírgulas enquanto sigo viagem
Há um único e maldito parágrafo
Que grita sem misericórdia!
E eu! Eu hemorrágica!
Nada estanca os delitos
Que saem das minhas veias rompidas
Confesso meus homicídios, mas não peço perdão
Há lacunas, há culpa, há sulcos em minha testa
(e há vultos passeando pela minha sala)
Tempo, tempo, tempo
Lembro salmos, provérbios, versículos
Percebo que desenho minha própria caricatura
[e não vejo graça alguma]
Continuo sangrando e quase desfaleço
Apresento os polos da minha versatilidade
Enquanto volto atrás e lembro-me que azar também é palavra
(mas que não se pronuncia)
Tento a sorte, então
E pergunto por deus...
[que mudou de endereço faz tempo]
Vê, Senhor, o meu olhar de súplica!
Trarias de volta a alegria da minha inocência???
E minha alma? Levaria de vez contigo?
Resgata-me com teus tentáculos de piedade
Ou,
Marca pra mim uma audiência com Cristo
Fala que sou poeta.
E desejo que ele escreva o prefácio do meu livro
Livro da Morte
Onde falo das minhas únicas certezas:
Do fim
Da decomposição da matéria
Dos ossos secos
Das minhas mentiras atenuadas pela licença poética
Ai de mim! Ai de mim!
No Livro da Morte
É onde escondo o meu vocabulário chulo
E os meus medos, os meus enganos, e todo esse meu ódio por ser volátil!
E por estar em um caminho sem volta
Mas há consolo, mas há poesia, mas há canções de amor por toda a parte
Então prossigo
Naufragando com um meio sorriso
Vou reticente...
Sempre.
Até achar o ponto.
Há um poder de destruição nas vozes que me rodeiam. Danço solitária uma canção sem melodia.
Sento na areia quente desta praia deserta, transpirando até criar um novo mar que entra pelas minhas narinas e afoga a saudade do teu sorriso que pintei em telas imaginárias.
São quadros que penduro em minhas paredes brancas
mas,
não ouso levantar meus olhos.
Minto pra mim e digo que permaneces ali
Com teus olhos a me seguir
Por todo canto da casa