Sami Bei Caliali
Em uma fábula antiga, conta o escritor sírio
Sami Bei Caiali, como Alá (Deus) criou a mulher:
No princípio, Alá criou o mundo, o céu e a terra,
o que esta tem e o que nela existe e, por último,
criou o homem. Quando quis fazer a mulher,
viu que havia empregado no mundo todo o material
de que dispunha. Entristeceu-se o Criador e
deixou-se ficar em profunda meditação.
Quando despertou da atonia, tirou do mundo o
necessário e fez a mulher da seguinte maneira:
Tomou da lua a forma arredondada; do mar, a
profundidade; da folhagem, o fluxo e o refluxo;
das estrelas, a luminosidade; dos raios do sol,
a temperatura; do rocio, as gotas;
do vento, a variabilidade; das plantas, os
movimentos e tremores; das rosas, a cor e o
perfume; das folhas, a volubilidade; das ramas,
a ternura e os lamentos; da brisa, a delicadeza
e a doçura; do mel, o sabor; do ouro, o brilho;
do brilhante, a resistência; da víbora, a
sabedoria; do camaleão, a variação; dos olhos da
gazela, a timidez, e a vergonha do coelho; o
orgulho e arrogância do pavão; a ferocidade e a
força do leão; a traição e o engano do tempo; a
astúcia e a covardia da raposa; do papagaio, a
palraderia.
Alá juntou, então, todos esses
elementos, fez a mulher e... deu-a ao homem.
Passada uma semana, veio o homem para o Criador,
dizendo-lhe: Meu Alá! A mulher que me deste
envenenou minha vida e minha existência; fala sem
cessar; chora sem motivo; é débil e delgada; seus
pedidos não tem fim; protesta pela menor coisa;
sente dor por tudo. Leve-a, livra-me dela, ó Alá.
Alá levou a mulher.
Uma semana depois, voltou o homem para o Criador,
dizendo-lhe: Ó Alá! Minha vida sem a mulher é
impossível! Com todo o mundo que me deste,
parece-me que estou no deserto. Sou desgraçado
sem a mulher. Recordo como cantava e dançava diante
de mim, como me olhava docemente, como sorria,
vendo a minha força, e ria, desvanecendo minhas
preocupações, como brincava comigo e me fazia amar
a vida, diminuia a minhas penas e dores e alegrava
meus sonhos! Devolve-ma, ó Alá!
E Alá devolveu a mulher ao homem.
Depois de três dias, o homem voltou para o Criador,
chorando e suplicando: Meu Alá, ela não compreende
meus sentimentos; estou certo de que a mulher me
martiriza mais do que me tranquiliza e alegra.
Alá enfadou-se e disse:
"Leva a mulher e não voltes mais!"
Gritou o homem:
"Mas não posso viver com ela!"
"Não podes viver sem ela, tampouco", respondeu o Criador.
E o homem levou a mulher, chorando sua má sorte e
repetindo: Que desgraçado que sou! Não posso viver com
a mulher, e não posso viver sem ela!
Uassalam!
Do livro Poetas e Califas de Mussa Kuraiem