Salgado Maranhão
A vida, desde pequeno, sempre cavei no meu chão
Da raiz da planta ao fruto, fazendo calos na mão.
Eu aprendi matemática descaroçando algodão.
Carcarás, aboios e lendas são minha história e destino.
Tudo que a vida me deu, é tudo que hoje ensino.
Na quebrada do tambor, eu sou velho e sou menino.
Quem olha na minha cara, já sabe de onde eu vim.
Pela moldura do rosto e a pele de amendoim.
Só não conhece os verões, quem eu trago dentro de mim...
Sentença
faz muito tempo que eu venho
nos currais deste comício,
dando mingau de farinha
pra mesma dor que me alinha
ao lamaçal do hospício.
e quem me cansa as canelas
é que me rouba a cadeira,
eu sou quem pula a traseira
e ainda paga a passagem,
eu sou um número ímpar
só pra sobrar na contagem.
por outro lado, em meu corpo,
há uma parte que insiste,
feito um caju que apodrece
mas a castanha resiste,
eu tenho os olhos na espreita
e os bolsos cheios de pedras,
eu sou quem não se conforma
com a sentença ou desfeita,
eu sou quem bagunça a norma,
eu sou quem morre e não deita.
Kuarup
de seis milhões
em mil e quinhentos
restou apenas
uma legião
de vultos
soletrando
uma algazarra
zorra,
um kuarup de calça jeans.
os outros foram mortos
até os que estão vivos
até os que não nasceram.
Do Raio
Nem o acre sabor das uvas
nos aplaca. Nem a chuva
nos olhos incendiados
devolve o que é vivido.
O magma que nos evapora
tange o rascunho das horas
sob um raio de suspense.
Nem o que é nosso nos pertence.
Pó & Cia
de vez em quando
a poesia
se insinua
para que eu a possua.
depois
arredia
desaparece
como se habitasse
a outra
face
da lua.
Atemporal
no fim da linha
o que sobra é a poesia:
construção sobre ruínas
plasmada em palavras
e silêncios.
quem saberá os limites
da beleza e do desespero?
a vida em sua face oculta
sobrevive de engordar serpentes.
o amor em sua loja de ourives
(relume)
a lapidar o inatingível.
no avesso do des/haver
o que resta
é o infinito não ser
em seu azul atemporal.