passeio pelos campos
cerejas no outono?
bagas de espinheiro
não tenho país
nem casa nem riqueza
e como me sinto bem!
horizonte esmeralda
uma vela voga
em direção ao céu
o rio pesado
corre sob a ponte
lua de chumbo
piar de lugre
nos soutos crepusculares
insondável mansidão
a sombra da nespereira
mergulha
na frescura do poço
sobre um ramo seco
uma folha se pousa
e trina ao vento
uma faúlha
ao sabor do vento?
um vaga-lume
a chuva põe-me grades na janela
um voo de andorinha
restitui-me o espaço
passeio de madrugada
os meus sapatos
empapados de orvalho
ventania lá fora
uma mosca no rosto
lívido da vidraça
dos ramos altos no rio
caem suavemente
farrapos do sol poente
a mó do poente
mói fogo
sobre os campos
no poço da quinta
o balde traz-me
estilhaços da lua
princípio de outono
sol pálido
no céu branco
tordos em bando
nuvens viúvas
acima dos montes
ribeira seca
nem um sopro
as cigarras crepitam
neve tão branca
à minha porta
onde pôr os pés?
um tufo de algodão
flutuando na água
uma nuvem
ao lusco-fusco
uma lufada faz tremer
o olho azul do charco
relâmpago de verão
grito de um mocho
nas oliveiras
figos pretos
em farrapos nas figueiras
chuva de outono
o vento a correr
leva a lua
na ponta de uma cana
nas ramagens embaciadas
o sol
abre frestas
um gato no telhado
para os pardais novos
que alvoroço!