Rodrigo Homer
Zeus reciclado
Como se não bastasse a vida;
todo tipo de circo, escola, uniformes, presidio.
burgueses e mendigos bêbados brigando sem motivo,
sempre tem uma praça e uma igreja idiota no centro da cidade.
Pra quem não esperava passar dos 20,
o que me deixa maluco é ainda não ter morrido.
Me vejo quase sempre como um fantasma,
outros também viram e nada disseram,
falavam com os olhos... concordavam comigo.
Só consigo achar mais triste tabagismo sem cigarros,
e os deuses no meu sonho não fizeram chover vinho,
Dionísio cretino, imprestável.
O astronauta e a kodak
O nosso planeta de longe,
imagem da janela do astronauta.
Sem dizer uma palavra,
colocou um paradoxo na palma da minha mão.
Feito pílula engoli sem copo d`água.
Êta ironia danada,
pra ver o céu que conhecemos
só pisando nesse chão.
Pequenas asas
É como se eu fosse convidado pra uma festa
e desse o bolo em mim mesmo,
me dei o convite, aceitei e não fui.
Inventei desculpas e já não acredito nelas.
Escalei estantes,
caminhei por páginas e mais páginas,
E pulando entre os livros,
olhei pra trás e notei bandeiras saindo deles,
assustei com os dedos apontados saindo entre as folhas,
todos em minha direção,
como juízes de desenho agindo feito plantas carnívoras.
Só me resta fugir,
já que sou réu e nunca soube advogar em causa própria.
Escapo feito mosca, a luz da televisão me atrai mas não posso perder tempo.
Esqueço que não sei voar, caio e me levanto já correndo,
Um fugitivo acusado injustamente pelos mestres.
Logo eu meu Deus,
que não presto nem pra ser egoísta.
Um fósforo mudaria o meu mundo
Na contra-mão da passeata protesto sozinho.
faixas, megafones cuspindo palavras,
não me vejo nessa massa mendigando reformismo.
Exilado na calçada,
só quero isqueiro pra acender meu cigarro,
me olham de lado, sou reprovado,
marginalizado pelos marginalizados,
além da fronteira da sarjeta.
O mito
O poeta não trabalha com as palavras,
o poema é como um relatório médico.
E escrevê-lo não o impede de também estar doente.
Sendo holístico todo lugar é consultório,
curiosidade intensa e as faculdades se tornam pequenas.
Leio os poetas ,
plantões intermináveis,
atestando óbitos,
receitando remédios.
Relativamente perdidos
Não existe referência no que habita o infinito.
Toda matéria se dissolve,
em questão de semanas,
de meses,
de tempo.
E se tudo não acabou em um segundo...
o motivo talvez seja a nossa velocidade,
combinada com perguntas que não precisam ser respondidas.
Km 0
Na cidade que inventei
não havia igreja, procissão
e até a solidão
lá é boa companhia.
Lá os cavalos correm sem puxar carroça,
quando trotam é porque gostam
desconhecendo espóra.
E os soldados se preparam para guerras,
fazem cordas de guitarra,
derretem metralhadoras.
Lares
Essa vontade de voltar pra casa, sentir-se perdido por não saber voltar
e mais perdido ainda ao descobrir que nunca sai dela de verdade.
As minhas ilusões não podem conter o infinito.
Nesse caso fico feliz em estar errado,
esse muro de mentira que construí diante de mim,
posso ver caindo tijolo por tijolo
sem a tristeza de um pedreiro orgulhoso.
Os caminhos
Cada passo é um milagre no caminho pra Luz,
céu incrível, estrelas incontáveis,
anjos invisíveis para olhos e óculos de lente comum.
Asas protetoras ao redor do viajante,
o ar não se desloca, os pelos arrepiam,
a mente que só pensa não sabe...
da formiga ao Arcanjo,
Deus que não se esconde;
por alguns segundos sinto,
e é tranquilidade indescritível.
7° sentido
Nesse transe que se dane o que achamos,
atiradores de elite acertando bem no alvo errado.
Tem alguma coisa gigantesca escapando aos sentidos,
gritando sem ser som, acenando feito louco em meio a cegos de certa forma literais.
Com a cara na areia, o meu cérebro egocêntrico filosofa sobre grãos e mais nada.
Eu perco a praia, não vi o céu, ouço som de pássaros sem saber o que são pássaros.
Quando estiver velho, ou perto da morte
tenho certeza que algo lúcido dentro de mim irá me perguntar:
- Porque você não olhou pra cima?
Terra-Céu
Depois de mais uma volta no Sol sem ter saído de casa,
reconheço não ser um bom visitante.
Troquei mais um dia na Terra por um mundo recém criado e desmoronando.
As escrituras estão certas, é preciso que o mundo acabe,
que as pontes sejam queimadas,
e não tenhamos a opção de idolatrar labirintos.
Nessa altura do campeonato tanto faz a cor da parede, o lustre no teto,
se esse mesmo teto me impede de olhar onde estou... entre as estrelas.