Roberto Kreitchmann
O Brasil é um país muito grande e rico em todos os aspectos, o que não seria a justificativa para tamanha desigualdade social. No entanto, continuamos com vontade de evoluir, sem nada fazer, apenas com vontade. Talvez seja atitude o que nos falta. Atitude em olhar para o lado, em pensar no outro, deixar de pensar apenas no grupo que estamos inseridos e começar a pensar no todo.
Dizem que o Brasil é gigante por natureza, porém acredito que o pensamento de muitos que aqui vivem não é tão gigante assim. Em plena época de Natal em que a solidariedade deveria estar aflorando no coração de todos, é possível perceber o sentimento individualista desabrochando em grande parte da população. Empresas até fazem campanhas para que crianças carentes possam ter literalmente um feliz natal. Mas será que isto é o suficiente para resolver seus problemas? É claro que não, pois o Natal passa e a fome e a miséria não, duram o ano todo.
Quando surge um grito de esperança, percebemos que vale a pena acreditar em uma mudança e que ela está mais próxima do que imaginamos. Estes gritos ecoam todo dia em inúmeros berçários espalhados pelo país e talvez neles esteja a última gota de esperança do povo em conter suas lágrimas e deixar de esperar.
Celulares pingam sangue em todos os cantos do mundo, enquanto vozes e vidas de muitos são silenciadas por calibres. A tecnologia cobra em vidas inocentes o preço do avanço. Em buracos escuros de minas de exploração na África, a mais de cem metros do chão, é cada vez mais difícil enxergar a luz da esperança, em um ambiente tomado pela escuridão de estupros, escravidão, e guerra.
Todos os dias no Brasil, pedras são arremessadas contra mulheres, em todo país, quando deixam seus filhos em casa para enfrentar o mundo dos homens. Muitos podem pensar que é exagero tal afirmação, porém estes pedregulhos impalpáveis ferem o orgulho e a moral da mulher dia após dia. A desvalorização da mulher perante o homem no mercado de trabalho e a visão da mulher como objeto de consumo são apenas uma lasca de pedras cultivadas desde os primórdios da história da humanidade, o que de certa forma perdura até hoje.
Crianças indígenas, enfileiradas lado a lado, apresentam canções de seus ancestrais no centro das grandes metrópoles, enquanto suas mães debruçadas em paredes ou pilares, expõem os seus trabalhos artesanais. Crianças brancas pintam suas caras nas escolas de todo o país. Semáforos testemunham os olhos amendoados, cheios de esperança, de pequenos índios na busca por uma moeda. Estes com certeza são apenas alguns dos contrastes evidenciados hoje nas cidades, em razão de anos de exploração de ontem, anteontem e de todos os dias destes 511 anos de Brasil. A forma como o índio é tratado nos dias atuais pouco se difere dos tempos da chegada das naus portuguesas.
O cidadão indígena quer apenas sobreviver em paz, ter o que comer, onde morar. Não se tratam de seres sedentos por dinheiro e poder, salvo alguns já hipnotizados pelas riquezas do universo “civilizado”. A grande maioria só quer a garantia de um futuro digno para que todos da aldeia possam viver bem. Isso para eles é como voar, um sonho distante, e por isso lutam. Não por um sonho individual, mas por um desejo coletivo de viverem em paz nas florestas, e sempre juntos, como em um panapaná.
Realmente é uma tarefa extremamente difícil a de escrever sobre qualquer que seja a tragédia. As palavras se confundem com sentimentos, os pensamentos calam frente a tristeza. Ainda mais em um tempo em que as frases de um sentimento profundo podem ser facilmente confundidas em meio a shows midiáticos, que transformam a vida em uma novela sem dublê.
Mais uma tragédia acontece no Brasil, mais vidas que se vão cedo de mais, as lágrimas nunca secarão para as famílias. Entretanto para a maioria, logo a tragédia será esquecida e se tornará apenas parte de mais alguma estatística. Todos já poderão preparar suas vidas para as próximas covardias, que serão, evidentemente, exploradas pelos veículos de comunicação, acostumados a transformar vidas em um filme de mau gosto, onde jamais se assiste um final feliz, mas sempre atraí milhares de espectadores.
Convivendo diariamente com a incerteza de seu fim, sem nenhuma perspectiva de ver o sol nascer outra vez, as flores daquele terreno abandonado, assim como o mendigo e o cão, viveram. Cresceram como se cada dia fosse interminável, como se o amanhecer os abençoasse, como se a vida fosse só flores.
O futuro é incerto nestas terras arenosas, o povo oprimido é obrigado a se calar. O leão mostrou suas garras através da opressão armada a fim de sufocar a primavera. Mesmo assim, a Primavera Árabe tem demonstrado que existe exatamente como uma estação, a qual nenhum ser humano é capaz de impor o seu fim antes que seu ciclo se complete ao natural. O que há de indomável no Mundo Árabe, não são os jovens que se manifestam e nem as forças que silenciam estas vozes, é o pensamento e a vontade de conhecer a verdadeira liberdade.