Rildson Alves
Prece-pício
Estou debruçado sobre a janela
em plena madrugada.
A fumaça do cigarro são meus olhos
que se desintegram ao léu.
Minha testa, encostada no gélido aço
da grade, me faz estremecer.
A noite é fria como os viciados.
De vez em quando um carro, um cão...
um mendigo.
Mas nada se move
a não ser minha alma convulsionada.
À frente, algo sugere amplidão,
mas não passa de precipício.
Não preciso das grades.
Sou mais perigoso do que qualquer bandido.
Sou autodestrutivo e não espero perdão.
Não há melhor hora
para descobrirmos quem somos.
E mesmo assim estou abismado,
pois sou uma gárgula dependurada
e paralisada
nessa construção sem sentido,
jorrando dor e desatinos
sobre meus inimigos adormecidos.
Por que tudo é tão distante?
Minhas mãos não alcançam
meus próprios desejos.
Desejos são fumaça
que se acaba com a última tragada vazia
num suspiro intoxicado.
Os garis correm atrás do caminhão
e sou deixado para trás.
Mas sou aquele lixo impertinente
que se acumula nas horas claras do dia.
Apenas dejetos... Desertos.
6
Quero ir embora.
Mesmo que seja naquele fétido caminhão.
Quero ir, jogado no meio do lixo, como tal;
sendo espremido, moído e descartado,
para não mais me debruçar sobre a janela
nem desesperar na noite úmida
desta maldita cidade.
Lapso
Sonho um desejo,
uma incógnita.
Vivo um hipnógeno fustigar de sonhos.
Amargo dúvidas inúteis,
sou vil.
Amparo minhas tragédias
em algum lapso obscuro.
Sou incoerência resoluta
dos desprezos e glórias mortais.
Ócio!
Aos pés da decadência irreversível.
E o não pleno
onde repouso sem descanso
a insônia desesperada do fracasso:
o colapso.
Retalhos ansiosos
Longe...
Tão longe vou...
Reticente por vezes,
mas tão longe a cada passo,
pacto e pranto.
Não posso,
pois logo passo...
Ligeiro, avante,
no afã de um grito de chegada.
Por isso parto a cada segundo
e tão longe vou...
Espalho por aí meus pedaços
esperando sorte em algum deles.
Me deixo por aí em retalhos.
Me deixo... me deito e vou.
Intenção
Um coração ressoa do silêncio.
Um desejo ocultado, incontido.
Ressoa uma chance possível
que o leva à plenitude!(?)
Uma lágrima, um enigma.
E uma lástima do tempo
em que o amor era fértil
e a alma inocente...
Eu lamento,
não sou mais menino.
A dor do amor
Não amo como os homens,
nem como os deuses.
Amo como a morte à espreita,
certa e inabalável.
Perfeita.
Amo como a dor e a rejeição,
como a vida: ilusão!
Não amo como julgas me amar,
nem como me culpas por não te amar.
Amo com ódio e fúria,
com torpor e luxúria,
amo com rancor e injúrias,
com ternura...
Amo como um punhal
no limite final do desespero.
Amo desigual...
E jamais amei!