Ricardo Domeneck
Antídotos matinais,
o primeiro cigarro
e xícara de café,
as pernas bambeiam,
a cabeça fica leve,
é como experimentar
o seu amor de novo
por três segundos
toda manhã.
Surpreso a quanta terra
não me pertence, que
engraçado descobrir (mais
uma vez) que trocar de país
não significa trocar de corpo
e a mudança
de língua
é acompanhada pela permanência
da produção da
mesma saliva.
Desvio para ver melhor
Tão repentina, rápida foi sua partida,
tão estonteante essa distância expandida,
tornou-se vermelho o seu suéter azul.
Olho suas fotos. Nelas o sol brilha
refletido em cílios, pálpebras, pupilas.
Uma estrela morta que fia sua luz.
E deste sol que esquenta olhos, cus,
gasta pouco a pouco toda sua energia,
você se escondia como um avestruz.
Mas, querido, tudo no planeta conspira
por nós em nome de vidas mútuas:
os genes de peixes, os jogos de exus.
Imitação de Cecília Meireles num sábado estrangeiro
Em prateleiras etiquetadas da quitanda
jaz a floresta útil, organizada e civil.
Na cabeça definha o pomar da infância
simples: mãe e vizinha, goiaba e abiu.
Sobe o número de hectares do mundo,
incha o mapa, exótico: istmos, fiordes.
Mas o açude do bairro era mais fundo,
o reino vasto, medido em quarteirões.
Na cama, uniam-se ao canto dos galos
o pio do bem-te-vi e do fogo-apagou.
Agora mal nos vemos e nem cantamos,
o alarme de incêndio é o que restou.