Rhaera
Gosto de ler e ouvir história, penso que assim as pessoas que escreveram e viveram, jamais serão esquecidas.
Água estilhaçando as vidraçarias, invadiram o quarto com extrema violência, inundando nossos corpos, na missão de afogar-nos. Neste momento, notei que não importa quanto dinheiro tenhamos nos bolsos, eles não se tornarão botes. E não importa a falta deles, não nos deixam mais leve.
Onde alegria pereceu
Meu coração por ti bateu
Chuva nenhuma caiu
Mas meu amor por ti surgiu
Lugar em que sol nem cresceu
Meu romance nasceu
E contigo ele fugiu
Então meu coração triste se partiu.
Brilhantes o azul de seus olhos
Me mostram o receio, desejo, o querer
Suave é o ruivo de seus cabelos
Me trazem leveza, liberdade o poder
Vermelho como maçãs são seus lábios
Me fazem ousar, pecar, o ter
Branca é sua pele
Me deixe dedilhar, tocar, o palpar
Sem ver cintila a sua alma
Me faz sorrir, cantar, o amar
Me viro de um lado para o outro
Cabeça pesando olhos esvaindo mente afundando pensamento intrusivo
Giro para a esquerda
Minha consciência vai e vem
como vozes trazidas do além
procuro algum sentido talvez desejo
olhos no teto, coração na mão, despejo
Giro para a direita
tiro um pé e para fora uma mão
rosto no travesseiro "onde está minha razão?"
cheiro o ar e toco a brisa
uma gota de lagrima desliza
Arranco o lençol
não sei mais dormir
não há para onde ir
puxo uma gaveta e dela uma lâmina
sem muita força tocar nela o pulso arranha
Pego o frasco sobre a cabeceira.
sem água as pílulas na minha garganta derrama
uma dor contida gela meu peito em chamas
sei que assim para sempre partirei
mas a algum lugar pertencerei
Saio da cama.
- As vezes é um pouco complicado pequena Eveline, por que tudo é uma gigante armadilha. Se não tivermos o hábito constante de pensar nos tornamos alienados, contudo se pensamos demais ficamos loucos.
Talvez, se eu obtivesse a quantidade certa de vermelho, não lutaria por uma quantia exorbitante de verde.
Fome.
Quando se é ignorado e destratado por tanto tempo, você se torna carente de qualquer atenção. Desde o toque de uma gota de chuva até o roçar de lábios no seu pescoço, qualquer singelo atrito de carinho e apreço se torna um pote de ouro que você, iludido, crê ser eterno e especial.
Um dia ele acaba sem mais nem menos… e todo aquele amor que você tirou para si desde o primeiro gole ao lamber de migalhas se torna tudo o que precisa, feito vício.
E lá vamos nós atrás, famintos, de outro pote, este que não tem nada para oferecer além de sal e pimenta. As delicadas carícias viram ardentes arranhões e tapas, que mesmo machucando possuem o mesmo impacto que os suaves toques.
Ao sugarmos até o último fiapo, não nos sobra nada. E aí encontramos rasas doses, menores e quase sem gosto algum, como aveia e mingau. Mordidas picantes, palavras douradas, o doce de um cheiro, um simples trocar de horizontes. E no dia seguinte, nada sobra, mesmo tendo tantos copos ao meu redor.
No entanto… ainda resta o vazio nebuloso em meu estômago.
Meus dedos estão sujos. As juntas grudam meladas de glacê e chantilly,
embaixo das unhas massa de morango.
Mãe sempre reclamava o quanto meu desespero para preencher meu estômago de doces era deselegante.
E mesmo dentro de um caixão sua voz ainda me perseguia.
Comi metade de um bolo, todavia o sabor salgado impregna meu paladar.
Provável seja culpa de minhas lágrimas. Sendo assim culpo o álcool que ingeri mais cedo. Ou de minha covardia para com o mundo.
Talvez eu quisesse me sentir melhor. Talvez eu deseje que alguém se importe. Talvez eu precise de mais amor.
E nada disso encontrei no bolo.
Talvez por isso que meu estômago permanece vazio.