Renato Guimarães
Vila Monarca
Apelar pra quem, pra quê?
Quais ritos, rezas?
Se nem meu santo
Veio de lá com quem eu amo
Não sei o que a prende acolá
Se é a cidade que é velha demais
E agora que revê alguém daquele jeito
Até entendo se suas calçadas a fazem tropeçar
Ou agarram suas canelas na saída da vila
Se seus velhos assombros
Se soltam da mata
Só pra mantê-la assustada naquelas vielas
Ah mas dói agora, que minguam minhas crendices
E o que sei dos causos
Vai amarrando um nó na minha garganta
Será algum amor?
Que raça de amor será?
Com que artifícios a segura tão bem nas mãos?
Que nem minha fé gritando a alcança?
Carestia
Prazer sou o desgraçado
Pelo jeito que me falam as palavras
Como os olhos que quero, me fogem
Como acordo sem feromônios e azarado
Mas ao inferno todas as doces línguas que não me vem
De toda maneira que se tem
Sou só e assim mais feio que o disforme
E meu andado destoa, pois a rua parece que morde.
Sacra constituição
Cravei com Deus
Umas novas leis
Pros meus sonhos
Ai ele me deixa sonhar,
Do jeito certo
Funciona assim
Eu sou só pele
E pra flutuar
O que tenho por dentro
É o que pensam almas notívagas
Delas me vem um tanto de malícia
Que atravessa e respinga paixão
Ai vou longe sobre o urbano e o rural
E nada de sentir dentes caindo
Ou o susto de cair de um arranha-céu no colchão
Assim furto de todo o resto pra ir te visitando!
Sólido Olhar
Tem seu olhar que se deita sobre mim
Incumbido de me sucumbir
Quando ainda lhe resta minha poeira nos cílios
Nessa guerra só é certeira minha poesia dos seixos e ciscos!
Arrefecer
E depois do fim, do frio na barriga
De quem cai de amores
Eu volto pra casa com músculos doloridos
E então o sangue esfria, e os espasmos correm
E a dor de hoje cobre a de ontem.
Anti- horário
Espera conheço esse sabor!
Já vi esse olhar derreter e empedrar
Vivi essa tarde nessa mesma cor
O azedo já ferroou minha boca, deu a volta e adocicou
Me vieram espíritos violentos nos melhores perfumes
E usei de meios lascivos, para os fins mais carinhosos
Tudo errado, contrariado
De cá pra lá!
Feito das tripas coração.
O Estro
Por um olhar, e os traços o contornando
Como as madeixas descem
E suavemente ascendem
Como pergunta
Na testa, nuca e orelhas
Enrubrescem minhas bochechas
Esmurram-me o estômago.
Pra que eu volte aos olhos me perfurando.
Onisciência
Deus tu que sabes bem
Aos pés de quem, e de que cama quero estar
Por favor distorça meu pobre caminho
Tu que conhece os corredores por vir
E a mão que escolho pra me puxar
Dentre as ironias nos deixe passar
Pois um tanto por ela e outro pelo paraíso
É que o inferno ruge e se contorce.
O Anatômico
E foi dito que ele se mudou
Para os grânulos de fordyce dela
Lá nos risquinhos daqueles lábios
No abismo e nas raízes daquelas íris
Agarrado aos poros de sua pele
Um encosto regozijado e assustador.
O frascário amor
Forasteiro, vermelho, cru que assanha!
Dá um tanto de hiena
Leva um pouco de cidadão
Grito uníssono aterrador,
Lá de onde vem
Mas sensual aqui
Nos segue e o seguimos,
Desde a infância a sequidão dos seios da morte
Por vezes só pela pureza e realidade em um beijo.
Foragir
Ah eu já não sei o tanto de dor que tem que doer!
Que encruzilhada e aperto de mão eu busco pra lhe esquecer
Na vastidão que esse mundo tem, ninguém me esconde de você.
Emancipada
Nesse município beleza nenhuma alcança a dela
Descendo a rua, como faca que risca a nata sobre o leite
Até o meio dia se intimida, nubla e segue em seu encalço.
Arcaica Alma
Ai de minh'alma velha destituída de par
Que faz minha carne sentir o que está
Onde os idiomas não vão
Solta meus olhos do trânsito
E os arremessa ao horizonte
Sem nada querer ou precisar.