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Quem eu fui?
Fazem duas horas já, ninguém fala mais do que duas frases, nenhum som mais alto que as batidas dos seus próprios corações. A maioria evita olhar, passando longe ou desviando os olhares, mesmo que seu subconsciente queira uma prova do que há, para mostrar que é real e não imaginação. Mas, alguns, poucos, têm a coragem e a ousadia de se aproximar e observar, até mesmo tocar, verificar se o que viam em filmes era real, se era fria e triste a aparência. Porém, surpreendiam-se com o que achavam, não era triste nem melancólico, parecia… feliz, livre, como se quisesse esse fim. Não entendiam como ou porque, só sabiam que era esse sentimento que lhes brotava ao olhar-me. Mas, como poderiam entender? Nunca tentaram me compreender, nunca me viram de verdade, mas agora, com meu corpo ali, exposto e sem mais a minha muralha, eles tinham a chance de compreender. Eu não sou mais a mesma, nunca fui, cada versão minha está presente nesta sala, cada pessoa aqui representa uma personagem diferente que interpretei, tem a filha, nunca perfeita, que decepcionou mais do que orgulhou; a irmãzinha, que sempre idolatrou o irmão e que tem que ser forte pelos dois. Tem a amiga sem sentimentos, que odeia abraços, joga vôlei, topa de tudo e sempre faz o impossível pelos amigos, sem esperar nada de volta. Tem a neta, que faz de tudo para ser presente, ser o orgulho deles e não os deixar sozinho. Tem também a sobrinha/prima que está sempre ali, toda vez que a família está junta, ela está lá, cuidando dos priminhos para que os pais possam descansar, se dividindo para dar atenção a todos, sendo para eles o que ela mais quis na sua vida, tentando salvar tradições e a família. Esses são só alguns dos inúmeros personagens que existiram a partir de mim. E, hoje, eles estão todos aqui, reunidos pela primeira vez. No fim, essa reunião em volta de mim traz à tona uma revelação, eles nunca me conheceram de verdade. Tios contam aos meus colegas como sou com os meus primos mais novos, e uma revelação é feita: gosto de carinho, de abraços, não sou fria de verdade. Assim, a primeira máscara cai, e continua caindo, até que não sobre mais nenhuma. E, pela primeira vez nas últimas duas horas, e talvez na minha vida toda, todos os presentes se voltam para mim, assim como Macabéa é minha hora de brilhar, de ser a estrela. Meu rosto sereno não desaparece, na verdade, sinto como se estivesse sorrindo, sorrindo não para eles, mas para mim, por finalmente me livrar de todas as máscaras, por finalmente ser apenas EU.