Raniere Gonçalves
Mesmo eu que nunca
olhei tão longe...
Sei dos medos,
dos arrepios que
o passado trás.
Parece que perdemos
coisas.
Ou deixamos de
carregar conosco
aquilo que parecia
tão precioso, antes,
tão necessário, agora.
Havia um tempo
onde o espelho
nada significava.
Remorsos que não
cabem num reflexo...
E isso é ...
e temos que levar
tudo olhando
pra frente.
Porque nada
volta e
o que se repete
nunca é exatamente
como foi antes...
Saudades
que sinto...
Mesmo sabendo que
o que se amontoa
nas minhas gavetas
são apenas
lembranças...
É desnecessário respirar
no fundo do lago.
Lá apenas as almas e os peixes
desvanecem em escuras
e mansas correntes...
Na rede.
O sol pisca desdenhoso
no passa-passa das nuvens.
Uma vaca berra, longe,
enquanto o vento penteia
os cabelos do coqueiro
Deitado no ladrilho
espero o calor passar.
Um disquinho na vitrola.
Lembranças de menino: minha vó
pedalando a vigorelli
Cessou a chuva, ficou o silêncio.
Um sossego cego de sentido.
Ficaram molhadas todas as ruas dos meus olhos.
Lembranças dos teus pálidos dedos delicados.
Da ausência funda dos teus beijos.
Lembrança.
Conheci-te eu era apenas um menino.
O que te ensinava também estava aprendendo.
E, no entanto, nada de tão puro e intenso
aconteceu depois de ti..
Houve outros lábios, mas eu sempre beijava os teus.
E nunca, nada, poderá mudar aqueles dias
em que eu adormecia no calor das tuas coxas,
sob aqueles teus olhos que brilhavam ternura.
Quanto mais o tempo passa
mais nossas lembranças ficam bonitas: assim lindas,
realçadas pelo brilho dos anos
que apaga tudo o que não é bom..
Voltando de Barretos. Sem esporas nem poláinas. Na estrada apenas buracos e o tédio verde dos canaviais infinitos..
Você pode se divertir comigo.
Eu, com certeza me divertirei contigo.
Mas ambos sabemos
que um nunca será dono do outro.
Calorama
Estou praticando windsurf
na frente do ventilador
mas meu desejo mesmo era estar
esquiando no ar condicionado.
Tudo arde.
Queima o estômago,
queima o esôfago,
queima a tarde.
Precisava mesmo era do bálsamo líquido dos seus beijos.
Fluidos seus
que curam corpo
e alma meus.
Nada posso fazer.
Apenas girar os cubos de gelo
com o indicador.
Ele não indica caminhos de alegrias.
Reinventarei você.
Nostalgias.
Tabaco, frio, conhaque ...
Um tempo onde a solidão
era só um enfeite
no meio de tanta esperança..
Comer, beber, sorrir.
A ternura dos vizinhos.
O olhar varado das moçoiras
saídas da escola.
As rezes berrando,
longe.
O zumbizar da cigarra.
Às vezes dá uma fundeza.
Como se a vida tivesse passado
enquanto eu dormia.
Coisas e coisas ficadas pra trás.
Tristezas crônicas,
tardias..
Sol frita.
O capeta se mudou pro asfalto.
Vontade minha de morar
debaixo da cachoeira.
Ou de lamber
uma princesa polar..
Festa junina, julhina quase agustina
lá vou eu,
já vou eu..
Sem pito,
nem chapéu de palha,
nem botina de goma.