rafael dourado
Amigo não se escolhe
Em pouco tempo, já estava íntimo da solidão. Divertia-me contemplando a beleza despercebida da cidade, ouvindo as frases soltas declaradas com tanta efusão ou deixando minhas lágrimas correrem sem timidez no cinema. Para espairecer, brincava de decifrar a personalidade dos passantes pela disposição dos traços retos em seus rostos. Não sabia se acertava algo sobre eles, mas gostava da sensação de desvendar tudo o que era possível no novo ambiente.
Mas, de vez em quando, algum detalhe ativava uma lembrança. Alguém magro e com uma barba esquisita, por exemplo, era idêntico a um grande amigo de infância, outro com óculos de aro grosso e andar apressado me lembrava um amigo designer, já aquele com cara de John Lennon se parecia mais com um amigo professor do que com o próprio Beatle. Uma expressão ouvida por acaso, uma peça de roupa familiar, um corte de cabelo diferente, gestos, trejeitos, vozes, meros detalhes percebidos em desconhecidos e que possuíam sempre alguma característica em comum com gente que agora estava longe. E por mais entretido que eu estivesse com tantas novidades, esse pessoal estava me fazendo uma falta tremenda.
Então, passar despercebido tinha perdido a graça. As amizades recentes ainda eram superficiais demais e eu tinha pressa para me sentir em casa. Logo, decidi escrever para quem eu queria como amigo.
Selecionei pessoas com as quais gostava de conversar, quem eu considerava interessante e que eu desejaria encontrar mais vezes — ou alguma vez, no caso das conhecidas apenas pela internet — e fiz um e-mail para cada uma. Escrevi sobre o quanto suas companhias me agradavam, sobre locais que com certeza iriam gostar e procurei saber da disposição para ir a algum desses lugares e jogar conversa fora. Sabia do possível ridículo, mas tentei transpor em palavras a mesma sinceridade que eu esperaria de alguém que gosto. Porém, a única resposta que recebi ficou na promessa.
Desisti de insistir e voltei ao estado inicial. Não tinha sido a primeira das minhas frustrações e nem seria a última. Felizmente, já havia aprendido a lidar melhor com isso.
Até que, saindo de um mercado, vi um rosto familiar. Essa sensação não era novidade, porém, dessa vez era alguém conhecido de fato! Fiquei abismado não só pela raridade que era encontrar alguém conhecido na rua, como também pela simpatia com a qual fui tratado. Um “vamos marcar” concretizado depois me garantiu a amizade de um dos casais mais incríveis do Rio, além de minhas primeiras aulas de culinária.
E oportunidades como essa continuaram a surgir com os tipos mais diferentes de pessoas. Como uma mesa de poker na casa de um webdesigner incapaz de seguir regras e fonte inesgotável de frases geniais, aulas de desenho (que nunca levei adiante) com o ilustrador mais talentoso e mais gente boa que existe, partidas de basquete com um DJ-triatleta-programador incrivelmente inteligente e com quem tenho uma dívida eterna pelas inúmeras vezes que já me ajudou no Rio, sem contar os bares com o grupo de “imigrantes” com quem tenho uma afinidade óbvia e os papos eternos sobre assuntos tão interessantes quanto inúteis na hora do almoço com os colegas do trabalho.
O tempo passou, e as adversidades da mudança também. Se em outro momento forcei a barra escolhendo meus amigos, agora vejo que não era bem uma questão de escolha. Posso não saber a razão, se é que existe alguma, mas o fato é que nunca imaginei que parar de insistir iria me garantir justamente o que eu tanto queria.
Ausência I
O silêncio que meus olhos expressam
É resultado da tua ausência
Ausência essa que não envolve distância
Pois eu te vejo.
Vagueando pela casa,
De um canto a outro.
Como quem está perdido
Ou até mesmo no lugar errado.
O toque frio, cheio de pressa,
Ansioso pelo fim do expediente.
A fala dura, engessada,
De um robô pronto para servir.
O olhar desviado, transbordando medo
Que se encontrado, será forçado
A assumir o que há de errado.
Sua ausência é covarde.
Não resolve,
Tortura.