Rafael do Val
Agora o cantar daquele olhar
que passa pela fresta da janela
Sacode paredes e derruba ventos
que Batem
Batem
E outra vez
batem
Os olhos se fecham
Para a tempestade que lá fora
Sonha em ver o interior
D’Alma que foi levada e espalhada
Pelo ar da última respiração Noturna
BARREIRA VIVA
Há algo estranho
quê
Toda aquela água
Onde
Logo ali
Não vejo
Como não
não há água
Como
Simples isso é sertão
Então d’onde vem aquilo
Disseram-me estar na loucura
Pobres coitados infelizes mortais
Serei mais um na sua conta
E do que adianta
Ser igual a todos aqueles que
Acho ter insana profissão
É muito difícil pensar na distância
Que há entre a minha terra e o seu mundo
É da mesma forma complicado
tentar entender os meus desejos
Diante da cegueira que você deixou
Quando esteve em meus braços
Há uma imensidão que só será
Preenchida quando estivermos um com outro
Respirando um ao outro
Vivendo um com o outro
Amando nossos próprios sonhos
Corri numa rua sem fim
Cresci numa casa sem paredes
Voei além dos limites triviais
Experimentei o que não tem gosto
Senti o que não tem cheiro
Vivi o intocável
Procurei noites ditosas
Acordei dias abrumados
Edifiquei-me além da negra aflição
Fraquejei-me sob o enorme peso do amor
As folhas das árvores balançaram
Com o desespero das flores murchas
Caídas abaladas solitárias
As folhas choraram a tristeza de um dia frio
Pela ausência do calor difundido
Com bela aquarela do campo
caindo e se enterrando
No solo coberto pelo aveludado
Amor que as flores deixaram
Antes de dizer adeus
O abraço das ondas do mar
Acalentou aquele homem que deixou
De ser homem ao ver o frio do seu coração arder
Num momento de consternação
Pela impossibilidade de viver desamparado
De olhos abertos, fechados!
Abri os meus olhos
Tentei ver o invisível
Imaginar o abstrato
Tocar os sentimentos
Gritar no vácuo
Ouvir o calado momento
Dormi dias e noites
Tentei encontrar a esperança
Cometi os meus erros
As noites se acabaram
Os meus olhos se fecharam
Perdi na memória
Aquele único momento acordado
Um isolado anseio
Na travessia de uma rua inerte
Num espaço cavo
Numa hesitação do momento
Ao seguinte passo
Um turbulento instante
Que faz o tempo parar
No movimento ilusório da luz
Ao redor muitos passos
Nenhum sorriso
Tudo parado
E mais uma escolha foi feita
Diante da cegueira
Das suas próprias ambições
Numa pequena casa de papel
Paredes separam o que não se vê
Portas fecham o que não se pode tocar
Janelas se abrem para o exterior daquilo que não existe
Pinta-se de branco o telhado da casa
Confunde-se o teto com o chão
Vê-se o horizonte da cozinha
Caminha-se pelos corredores
De um quarto ainda não construído
Cortinas se sustentam ao ar
Lembranças se constroem com o tempo
E permanecem num espaço em branco
De um pequeno papel tingindo
Como a nossa vida
blasfêmia pura
não ligas para o que lhe foi dito
vãs palavras de algum sábio
voam pela respiração do dia
como aquelas
ditas no dia em que lhe disse
eu te amo
queriam que eu fosse como meu pai
desde que nasci tenho o nariz dele
o cabelo dele
os olhos
parecem terem sido copiados
puxou ao pai
parece com o pai
meu pai matou sua mulher
eu matei sua única lembrança
mais uma vez o ônibus
parou
detino final para alguns
para mim
é so o início
nasci há algumas horas
para pessear neste ônibus que Deus
não teve tempo de terminar
as estradas de Minas Gerais
são tão tortas que tornaram
o meu caminhar torto
e os meu destino sem ter como endireitar
Minas me fez assim
temperado embriagado rico
mas sempre com altos e baixos