Rafael Aguirra
Então é isto, aqui estou...
Será só isto, o que eu sou?
Além de mim, pra onde vou?
Dentro de mim, há mais alguém.
Alguém que é, alguém que vem,
Então é isto, pra ele eu vou...
Se em mim está, nele eu estou,
Me trouxe aqui, me encontrou,
Me fez sorrir, porque chorou,
Me fez viver, porque morreu,
Perfeito amor, a mim doou,
Perfeito ser, a mim se deu,
Distribuiu amor e graça,
Marcando a todo ser que passa,
Senão pra ti, pra quem eu vou?
Pra eternidade me encontrou.
Já estive bem pior, no fundo de qualquer lugar, quando nada te encontra, nem você quer encontrar.
Já estive bem mais longe de mim, já joguei tudo pro ar, já vi as consequências tomarem conta das circunstâncias,
Já fui criança, já dancei conforme a dança, e quando você cansa, se esconde e espera tudo passar, e então nada te alcança.
O que é uma aliança? O que é um compromisso? São noções um tanto vagas pra alguém que vive omisso.
São tantos os precipícios, tantos caminhos, tantos sentidos, poucos indícios de que algum seja verdade.
Já estive com a mente, o coração e o corpo bem longe da realidade, atualizado acerca de todo tipo de meias verdades e completas mentiras.
Mas na sinceridade encontrei o ódio, e do ódio venho a necessidade do amor, venho como sede, venho pela dor.
E da dor de viver geram-se as cicatrizes, da tristeza de ser geram-se os primeiros passos.
Do convívio maduro com as divergências geram-se os primeiros laços, e do amor compartilhado os melhores abraços.
O isolamento emocional é como alguém que se alimenta das próprias lagrimas, o final é previsível, pra quem quer estar sozinho.
Como a sede que a água não mata, é a certeza de andar mesmo que esteja cansado, é a certeza do caminho.
As vezes não consigo ver além da minha suposta incapacidade de lidar com meus problemas, pequenos, afinal não são nada de mais e nem de menos pra ninguém além de mim. As vezes falo comigo, com o nada, mas acima de tudo sem saber falo contigo. Afinal o que eu procuro está na tua essência, afinal só estou aqui por tua paciência, sou uma consciência em crescimento, uma experiência em andamento, uma imperfeição assumida, em mim se faz necessário uma restituição do significado da vida, da identidade perdida, um desdobramento do labirinto imaginário sem saída, um fato único e isolado no universo esperando a consciência plena, aguardando o momento do fim de todas as preocupações terrenas, sou tudo isso e nada sou sem aquele que a si mesmo se revela...
Seriam dias tristes se não fosse a consciência, ela traz conteúdo a tristeza mais inconsolável. Seriam dias curtos se não fosse a resistência, ela traz disposição tornando o ser cada vez mais incansável. Seriam apenas teorias se não fosse a experiência, dando uma rasteira ao que parece inabalável.
Foi como flutuar, depois de estar com os pés presos ao chão
Por tanto tempo que nem posso mensurar
Me fez levitar, a alturas que eu não posso calcular
É doloroso admitir, é doloroso se entregar
Mas a dor cura, alivia, ilumina a noite escura
Abre caminho, da lugar, a um novo jeito de sorrir, um novo jeito de chorar
Me fez mudar, me enxergar, me fez lembrar minhas lembranças com um novo jeito de olhar
Realinhou as esperanças a um outro caminhar
Não é a mesma direção, são novos rastros no meu chão
São novas formas de pensar, excluiu tudo sem salvar
Ficou pra trás, ficou pra lá, fez tudo reiniciar
Deu nova chance de nascer, de aprender a mergulhar
Mas dessa vez sem me afogar, pois o teu mar não é daqui
Ele foi feito pra nadar com outro folego, outro ar
Ele flui de outro lugar...
Foram tantas tentativas no silêncio, tantas dores lançadas contra o vazio
Tantos socos contra a parede, assimilando tudo o que é oferecido como oferta barata pra aquecer o ambiente frio
E todos os efeitos frustrando o meu ser,tornando cada vez mais imperfeito
As doses desse mundo mal habitado, amortecendo os sentidos
Sem saber que estava tão perto, em busca de melhor abrigo
Até cair de joelhos, até cair abatido,
O que você tem? Porque está caído?
Minhas próprias pancadas me deixaram ferido
Acorrentei a mim mesmo, me mantive retido
Minhas ilusões de soluções a muito já haviam partido
E próximo a beira do precipício, me encontrou
Me mostrou o eterno sacrifício, me curou
A tua revelação revela a mim mesmo, agora posso me enxergar como sou
A tua restauração começa por dentro,agora posso confessar como estou
Me mostrou o que um observador finito não é digno de ver
E é por isso que é por graça e não por merecer.
Se me canso, não descanso; pois sou manso, quanto tenso. Sou nervoso como rato e como gato violento. Sobretudo sou descaso, do acaso ou com o tempo. Se existo fui criado, não destinado ao relento. Sou destino já traçado e espalhado pelo vento.
O privilégio de honrar a fé...é em si uma honra. Somos automaticamente honrados quando temos a consciência de que a grande recompensa está na oportunidade de perseverar. Viver pela fé é deixar que toda e qualquer circunstância produza perseverança, experiência e paciência em nós.
Compreendido em minha complexidade, para ser simplicidade em amor
Lutando contra a dificuldade, da vaidade em querer evitar a dor
Não há como ser livre de escolher um caminho, não há como fingir ainda estar sozinho
Nas várias liberdades que há para ser, que na verdade prendem o modo de crer
Estou entregue a graça de poder viver, já que é de graça e não por merecer
Não escolhi crer por algum saber, mas sim, por ter sido escolhido.
Hoje estou bem, hoje sei, cada dor que senti, já passou e passei, resisti
Na memória circulam lembranças do que já vivi,
E passam por mim como se eu fosse uma estrada a ser percorrida,
É uma corrida que ainda não chegou ao fim
Menosprezei o que se aperfeiçoou em mim
Como alguém que não tem voz,dublando um não, dublando um sim,
Impotente, inocente procurando coerência
Sem nenhuma concorrência para ser tão infeliz
Pisando leve e devagar, aguardando tropeçar
Estagnando e afundando, sem limites pra pensar
Divagando, atravessando a fronteira do sonhar
Tomando distância, e guardando energia pra poder voltar
É necessário que o mundo caia, para que eu caia de joelhos
E a tua mão segure a minha e me ajude a atravessar o mar
Quando tudo desmoronou, me resgatou dos escombros
Quando não tinha mais forças, me carregou em seus ombros
Quando já não tinha vida, me soprou folego novo
Geminou em terra morta, fez chover em plena seca
Me acordou de um pesadelo, fez curar minha ressaca
Eu que estava como cego,martelado como prego, ensurdecido pela dor
Tua graça fala alto ao ouvido do perdido, ao rendido ao teu amor
Um dia vamos nos encontrar, matar a saudade, contar novidades
Abraços longos, passos lentos, sem pressa e sem medo de algo dar errado
Um dia haverá um grande dia, que nunca termina
Espero que todos estejam por lá
Ao menos aqueles que escolhem entrar
Vislumbres agora, visões incompletas enquanto demora
Esperando o tempo em que a hora marcada deixar de ser hora
Um dia sem noite com sonhos reais
Crianças brincando com os animais
E uma luz que ilumina um reinado de paz
Não haverá lua, não haverá sol
A luz será tua, eterno farol...
Sobre a superfície residem todas as minhas desculpas
Sobre os meus passos, toda minha hesitação
Pra onde apontam os meus olhos, todos os meus bons motivos
Sobre os meus movimentos, todo o meu cinismo
No âmago do meu coração, toda a minha confissão
Sobre os meus pensamentos, o máximo de mim
Por entre os edifícios, abismos sem fim
Sobre a minha pele, a poeira da estrada
Sobre a minha lentidão, uma longa caminhada
Todos em minha volta em uma jornada rumo ao nada
Sobre toda a cabeça uma sentença traçada
Sobre todos os olhos uma escolha ofertada
Sobre toda consciência uma loucura confessada
Sobre toda vida a surpresa de uma morte já esperada
Sobre toda morte uma certeza incerta
Há um construtor, muito além do horizonte
Construindo uma ponte que nos leva até a fonte
Que esclarece as confusões que nos tiram o sono
Abre as portas do abrigo, faz cessar o abandono
Sobre a sua superfície, toda a razão de ser
Sobre os seus passos, a certeza de um abraço
Sobre os teus olhos todo o saber
Sobre os teus movimentos todo poder
No âmago do teu coração, o teu perdão
Sobre os seus pensamentos, o máximo de elevação
Por entre as nuvens, morada sem fim
Sobre a sua pele, o sangue derramado por mim
Sobre a sua lentidão, o reter da sua ira
Todos distantes de ti em uma jornada rumo ao nada
Não há como concluir, essa história terá fim no final da caminhada
No completar da verdade, no inicio da eternidade.
As vezes a melhor maneira de se comunicar é ficando em silêncio,as vezes o melhor ensaio é falar sem pensar, é mais natural e mais verdadeiro.
Espoe de uma vez a falsidade das máscaras, e deixa cair a pesada aparência.
Toda espera é melhor suportada se sem ansiedade não esperar nada,
todo encontro terá reencontro se a espontaneidade for priorizada sem ser planejada,toda companhia será com efeito bem acompanhada se não for cobrada,pois toda decisão deve ser tomada sem hora marcada.
Estive pensando em perplexidade, como vem os anos, como vem a idade,
como sempre mudam as dificuldades e as facilidades passam despercebidas.
Como os ambientes são insignificantes ou pelo menos não tem a importância que dávamos em outra época, as vezes não nos tocamos nem que o mundo caia sobre nós, nem que um raio caia em nossas cabeças, vivemos em nossa zona de eletricidade estática e quando nos sobrevém uma descarga elétrica, literalmente entramos em choque.O tempo mostra a ineficácia dos objetos e sua ausência de valor como prêmios, e como as dificuldades são semelhantes para todos, até mesmo para grandes gênios.Estive pensando que penso demais e por isso é difícil ser firme e seguro, preciso aprender que os dias nunca são iguais, preciso aprender a dar passos no escuro, construímos muros ao nosso redor e chamamos isso de segurança, pensar no futuro, mas nada disso está em nossas mãos, é preciso entregar a força do braço a quem deu a força, para o que eu encontrar ser o que eu procuro. A minha esperança precisa sofrer uma mudança de rumo.
Me sinto só, afligido como jó, a noite chega e minha mente é um branco esperando escurecer.Me sinto triste , me sinto pesado, apoiado no próprio cansaço, a dor é uma laço que enforca a alma. A intensidade me faz parecer profundo, mas me sinto raso como uma piada. Me sinto fraco como um doente e exausto como um fim de dia. A negatividade vem como um exército pronto para atacar e a sinceridade vem como estratégia contra o inimigo. E sinto que a esperança e a perseverança estão em algum lugar próximo a percepção mais distante. Meus devaneios me levam a um tempo totalmente perdido e meus anseios desvanecem no sono, em sonhos longos e confusos. O meu corpo sente a angústia de ser carne, sobre a qual os meus ossos não se responsabilizam.É assim que me sinto e é assim que concluo que somente quando tuas mãos são também meus muros, posso descansar seguro.
Está bem perto, posso sentir
Estou convicto, está aqui
Por um instante, pensei ouvir
Parei um pouco, voltei a andar
Por um instante , te ouvi falar
Como um sussurro, como um trovão
Falou bem perto, ao coração
Se fez próximo, se fez presente
Aos meus sentidos, a minha mente
Como calor, como canção
Me escorei, nas tuas mãos
Por um momento, perdi o tempo
Foi como vento, soprando lento
Levando longe os meus tormentos
E então cessou, evaporou, se fez silêncio
Escorregou por entre os dedos
Amorteci todos os medos
Pra não sentir a solidão
Me perguntei, aonde está?
Cade a sua manifestação?
Perdi meus muros, e me senti sem proteção
Estava andando, estou caindo, estou sem chão
E quando só, sem direção
Eu percebi, que está aqui, que sempre esteve, não o perdi
Que já não sinto, que já não vejo
Que não dependo de sentir, dependo apenas de seguir
O que em mim se fez eterno, se fez brotar
Se fez morrer, ressuscitar, se fez espera até voltar
Sobrou em mim o caminhar,sobrou em mim convicção.
Toda base é sem sentido quando quero me apoiar em alguma distração.
Toda frase é contra o vento quando perco o meu tempo nas paredes da ilusão.
Todo o entretenimento alimenta o meu engano, distancia o teu perdão.
Todo arrependimento brota como consciência de entrega e gratidão.
Toda insanidade clama tua ira e perfeição, mas retém a sua mão.
Toda eternidade chama, pois já executou o plano, já existe salvação.
O teu filho se fez homem, se deixou morrer nas mãos da tua própria criação.
E se fez ressureição, e subiu em ascensão pra voltar, concretizar a tua revelação.
Tudo aquilo que ofereço é como corrupção.
Nada em mim é permitido sem sua autorização.
Não existe outra verdade, não existe outra razão.
Nada tem capacidade de trazer satisfação.
Nada pode ser caminho, ser pisado como chão.
Todo resto é abismo, todo resto é aflição.
Tua luz é fonte pura, o resto é escuridão.
O que vem da criatura é loucura e alienação.
Tua essência, plenitude, completude, manifesta em servidão.
Não pode ser corrompida pela minha explicação.
Fomos além das correntezas, batendo contra as represas com canções tocando ao fundo, como símbolo profundo de todas as incertezas. Uma sucessão de estradas, paralelas e asfaltadas com dores pisoteadas. Um desejo de voltar, um instinto de chegar, dando passos, dando voltas, falando sem revelar. Tão perto e tão incerto, como bicho no deserto sem água e sem alimento esperando anoitecer, devorado pelo abismo que se espalha pelo ser. Como pode o pensamento voar tanto em pouco tempo? Como pode o momento passar rápido ou lento? Como podem as paredes reforçar a ilusão de que estamos protegidos pela nossa construção? Como podem as mudanças revirarem as lembranças? Como pode a esperança nascer fácil na criança e depois na vida adulta dissolver em confusão?
Como escudo de defesa, como caça, como presa, servido por sobre a mesa, tal qual fosse refeição. A humanidade assola, oferecida como esmola, impregnada como cola, corpo de imperfeição. O questionamento irrita, a necessidade grita, mas não dá o braço a torcer. Confunde-se o que é correto com vaidade e ganância, com vontade de vencer. Este mundo passará, passará como poeira, passará como besteira que foi dita sem pensar, como ofensa inconsequente de quem não soube calar.
Oração de gratidão
Nessa noite não sou digno de fazer uma oração.
Talvez nunca tenha sido. Nunca tenha percebido.
Nessa noite tenho crido no poder da tua mão.
Pois quando me vi vencido entrei em adoração.
Nessa noite eu necessito de joelhos demonstrar toda a minha gratidão.
Pois ouviu o meu clamor, na medida da minha dor.
Sem pensar, sem esperar, como pai se derreteu.
Derramou o seu amor, derramou o seu perdão.
Reuniu, reajustou, converteu meu coração.
Por tua misericórdia escutou minha oração.
Eu que estava abatido, cego como um pagão.
Estreitou as opções, me sobrou somente o chão.
E por isso não sou digno de estar em tuas mãos.
Como vou agradecer? Nada foi por merecer.
Nessa noite só as lágrimas e o silêncio de joelhos serão minha oração.
E o desejo de escrever vem para dar o mínimo, de quem nada tem a dar ao meu Deus de compaixão.
Como é duro caminhar dando passos forçados sem saber onde vai dar. Como alguém que está fugindo e inventou uma desculpa, disse que foi viajar. Como é bom sentir dor de cabeça e ter aonde descansar, bom é sentir saudade e ter alguém para abraçar, como encontro fomentado pela sede da procura. A realidade não engana, logo cedo já nos chama, nos faz arrumar a cama, deixa o sono se atrasar. Como é tentador ser nada, construir uma fachada e deixar tudo como está. Não consigo ver além do terror que me convém, do medo de atravessar a fronteira do tentar. Já não é como era antes, o saber é tão gritante que não da pra ignorar. Como é duro erguer um muro pra depois ter que pular.
Sentimentos são momentos que uma hora vão passar, tudo isso ainda está rodeando e espreitando, procurando uma chance de fazer tudo voltar. Com instintos atrelados a raízes do passado, mas o que já é passado no presente não está. Uma bola de cristal já não pode revelar, uma ideia acidental já não pode enganar e o engano ideal já não pode acidentar. O que sei é que mudei, minhas armas entreguei, desisti de odiar. Já não quero mais lutar, decisão absoluta que me fez recomeçar. A verdade é que o tempo faz de nós como poeira espalhada pelo vento. Mas a eternidade mora, faz de um coração atento seu descanso e aposento.
Dizem que tudo passa, até mesmo a impressão de que não passa, passará. A única coisa que não passa é a sensação de que tudo continua, a semente da eternidade plantada em nós...
Quando nenhuma palavra pode descrever ou nem tenho palavras para dizer, sinto a necessidade de escrever. Quando o branco da folha reflete a minha mente, sinto a necessidade de preenchimento. Quando sou banido da realidade, sinto o amortecer das dores. Quando sou banido das minhas ilusões, sinto o impacto da queda. Sinto minhas pernas correndo em fuga, sinto minha fuga impulsionando as pernas. Olhos embaçados pela minha humanidade desumana. Pontos de vista sendo esclarecidos sem acepção, acepções de esclarecimentos sendo pontuados por uma visão. Continuo amando dias nublados, com uma chuva calma e um corpo cansado. Sorvendo as doses de uma realidade superficial. Continuo perdendo a calma, cansando a alma e nublando o amor dos dias contínuos. Quando a vontade desfalece, o animo adormece, o dia escurece, sinto-me condenado a uma rotina fria, cheia de compromissos, porém vazia. Fomos longe de todos os lugares mais próximos que se podia chegar a pé. Seremos todos redirecionados, cada um ao seu legado. Que toda essa fumaça se dissipe e de lugar ao esclarecimento, que toda vontade empenhe esforços para o crescimento. Todo sentido encontrado é como um texto abrigado e amontoado em meio a um vão palavreado. Todo texto sem sentido é como um monte de palavras que não encontrou abrigo. Quem não se deixa estagnar pela apatia, se movimenta em meio às dificuldades. Quem olha tudo com gratidão é um privilegiado, não deixa a mágoa estabelecer reinado no coração. Apesar de toda confusão de textos sem aptidão pra chegar a uma conclusão de fácil assimilação. Verdades que um dia serão. Palavras que um dia virão.
Perdi uma vida, uma rotina que foi embora. Vozes que viraram silêncio, dores que tomaram forma, um vazio ganhou espaço no ambiente. Sumiram os barulhos, as explosões de orgulho, os hábitos diários. As coisas se tornaram algo mais ou algo menos, cenários de um filme antigo. Estava preso e agora fui transferido para a solitária, sem direito a exposição ao sol. Os horários, compromissos, exigências, tudo deixou de ser junto com as consequências. A caminhada exige mais da minha resistência, da minha paciência e capacidade de sorrir. O tempo luta para se preencher de maneira útil, fugindo as maneiras fugazes de fazer horas passar como minutos. A chuva que bate nos vidros pode ser ouvida em todos os seus detalhes sonoros. E a irritação pode ser contida por não haver com quem se irritar. A tristeza deixa de ser sentida por não haver terreno para se aprofundar. O debate cessa, pois todos os argumentos cansaram de se pronunciar. As refeições são feitas a qualquer momento sem nenhum cuidado nutritivo. E a descrição de tudo soa como terapia ou como apego aos pontos negativos. O pensamento voa apesar de ser tão pesado, e algumas músicas pararam de tocar. A uma linha tênue entre sair e chegar, ir e voltar, quando não há ninguém para esperar. Faz tudo parecer normal, faz tudo parecer igual. A luta contra essa forma de pensar se tornou constante. Meus direitos se tornaram prêmios para meus defeitos. E as relações perderam qualquer suposto efeito positivo. Minha sinceridade apelou para dissimulação, evitando confrontos e reflexões, evitando ser, dando passos em qualquer direção. Cada vez mais vejo a necessidade das dificuldades que fortalecem a fé, a experiência da realidade como realmente é... Vou precisar também de uma máquina de fazer café.
Deus já fez a sua parte mudando tudo ao meu redor, por vezes me confortando, por vezes me estreitando as opções. Deus fez e fará tudo que é necessário para me alcançar, mesmo que não mereça, tudo para que eu cresça. Na verdade a parte de Deus nessa história é um favor imerecido. Nele tudo é perfeito, nele tudo é bem feito e o seu efeito é eterno, Nele toda a esperança faz sentido. Fez da sua morte o maior feito de glória, a maior prova de amor e justiça. Me traz de volta, me ponha em gratidão, pelo constranger do teu amor me leva ao alto, pelo caminho da dor me leva ao chão. Pela minha fraqueza me leva a oração, agindo de dentro pra fora. Através da tristeza que em mim aflora, do desanimo que me devora e da angústia das primeiras horas, tua força vem sem demora e me faz enxergar que a vida continua, e quando a entrego já não é mais minha, é cada vez mais tua. E tudo que entendo por mim vai se desvanecendo, e dando lugar ao mais completo esclarecimento, limpando e se desfazendo do que não é eterno, jogando no mar do esquecimento. E quando nas muitas distrações me encontro absorto, na verdade estou como morto. E quando estou carregado do dia e seus acontecimentos, é sempre o meu refúgio e nunca me desamparou, criou o meu coração, molda meus sentimentos. O Senhor é o autor de mim, autor de todo talento.
Em meio ao nevoeiro escuro
Vi uma luz ofuscante
Não posso me aproximar dela
Mas sei que o caminho é por ali
Me queima por traz de mim mesmo
Me busca além das nuvens e da incoerência
Em meus sonhos faz sumir a noção do tempo
Aprendendo a me livrar daquilo que já não aguento
Me traz liberdade, me traz unguento e novos ferimentos,
Mas dessa vez sem tantos lamentos
Eu aguento, eu aguento, porque mais forte é a certeza que eu tenho por dentro, a revelação interior que nasceu da dúvida
A verdade abatendo a realidade virtual, ilusória, da minha aparente personalidade, independente das minhas tentativas de auto-sabotagem
E do quanto eu alimento a fera selvagem
A busca do meu Deus sou eu, não porque tenha alguma esperança em mim, mas porque assim prometeu.
Isso é o de menos, toda essa dor, todas as dificuldades, todo excesso de pensamentos, isso tudo é só a vida passando. O corpo suportando, espezinhando, a irritação, a preocupação, a depressão, é a vida com seus traços de morte. É o processo, é o organismo processando, absorvendo, mastigando as necessidades. É a mente assimilando as ambiguidades. A pele é uma coceira nervosa coçada por unhas roídas em horas de nervosismo. Isso tudo é o de menos, isso tudo é o que temos. O que vemos, mas não o que somos. Não o que queremos. Não o que almejamos. Que seja um dia o que fomos, pois não é o que sonhamos, nossos planos geram danos, que sejamos planejados para o que fomos gerados. De fato, no momento exato, estejamos aptos à disposição do perdão, com as portas abertas para encher a casa. Com a família toda reunida, com o melhor que há da vida. A reunião das experiências de quem viu as consequências de viver voltado pra si mesmo. As lagrimas vem por lamentar as conveniências massacrantes que reduzem tudo a um empurrão diário. Eu sobre mim já cansei, sobre ser já cessei, sobre andar já parei, já sonhei que dormia e gritei de alegria a verdade tardia que já me dizia que um dia seria. Pesadelos são sempre sobre o que deixamos de fazer. Convulsionado pela solidão de movimentos quase involuntários em dias sombrios de verão. Os dias nublados são e serão os mais belos dias de reflexão. Pela incomum visão de preenchimento e criatividade e não de escuridão. Pelas cores ocas e sucintas de uma nuvem prenunciando a chuva. Pelas poucas dores resumidas em um dia incomum e perfeito, pois o grande feito é suportar a dor e vê-la sumir. Que seja em mim o que acreditas que eu posso ser. Que em mim seja viva a esperança vívida do eterno viver. Isso tudo salta agoniado tentando existir, vindo à tona e perseverando nos corações obstinados. Isso tudo é a vida tentando viver. Um dia seremos a realização de um sonho sonhado antes de nascermos. Por enquanto sou um verme lutando para que a tristeza seja um sentimento em extinção. A vida preenchida com vislumbres de amor, revidando a ilusão de sermos condicionados à completa exclusão. Quando a morte morreu, a vida passou a ser a eterna conclusão.