R. Oliveira
Eu encaro a noite que habita em mim, vislumbrando as nuances dos sentimentos que nem sempre são belos. As vezes, cansada de temer ser humana, me pego pensando se o medo de encarar meu abismo não é só uma face de tudo o que me faz um ser humano normal.
Eu tenho medo de assumir minha imperfeição, e por vezes me cobro com a respiração falhando. Eu tenho medo do egoísmo que as vezes fica bem abaixo da pele, da raiva que tento manter enjaulada, da revoltada que não quero decifrar. Tento somente ser uma pessoa boa em um mundo que nunca foi bom comigo.
A ansiedade me sufoca de tanto que sinto medo...medo de ser humana.
Um relacionamento abusivo, foi tudo o que pôde me dar.
Te ofereci tudo o que eu tinha, inclusive o amor, sentimento que deixei de dar a mim para oferecer inteiro a você. Todo o respeito que eu merecia me presentar, fiz questão de embrulhar e deixar aos seus pés. E tudo o que me deu foram críticas, traições, traumas que nem mesmo meu novo amor conseguiu apagar.
Roubou de mim minha parte boa ainda quando eu era uma menina boba, que achava que para ter uma relacionamento, deveria pegar tudo o que havia de bom em mim e entregar a você...logo você, o homem que consumiria minha felicidade que já era tão pequena...
Nem mesmo consigo te odiar, porque hoje entendo que todas as expectativas que depositei em ti e não conseguiu sanar, foram criadas por mim. Eu o desenhei e acreditei que seu eu real era o que idealizei. Rá! Você jamais poderia ser aquele desenho. O homem que eu amava era alguém que nunca existiu. O homem que existia era uma casca de adulto, com uma mente infantilizada que insistia em me jogar para baixo.
Nada em mim era bom para você, nem meu cabelo, pois era desbotado, ou muito escuro, ou muito longo, que saco, estava curto demais! E o meu corpo? Ah, isso você sequer tentou fingir que gostava, afinal, que homem gostaria de um amontoado de ossos? Então eu deveria tomar os remédios que insistiu em me dar, sequer inqueri meu corpo se era capaz de aguentar. Derrubei os medicamentos garganta a dentro e sufoquei os sentimentos. Tudo o que importava era que você estivesse feliz. Meu corpo já era sobrecarregado de abusos passados, minha mente já era acostumada a sofrer sem parar. Por você e as misérias de atenção que me dava eu era capaz de aguentar...
Mas nada nunca era bom. De repente eu estava gorda demais, maquiada demais, ou desleixada demais. Até que um dia eu percebi...Foi como se uma névoa densa se dissipasse num instante. Eu decidi parar de me machucar. Eu percebi que a culpa nunca foi minha...Eu percebi que não era o problema. Era você. Um dia o observei e notei que você sequer era bonito, então por que insistia tanto que eu deveria ser?
Eu notei que seu corpo não era perfeito, embora para mim isso nunca havia sido um parâmetro. Notei coisas e mais coisas e decidi que estava na hora de parar de me machucar, de permitir que me machucasse. Então eu decidi me amar. E percebi que me amar consistia necessariamente em me libertar. Eu quebrei as correntes da minha mente, que você segurava. E hoje, bem longe de você, eu percebo que foi a melhor coisa que fiz.
Olham-me com desconfiança por ser mais nova que meu amor. Eu rio da ignorância, afinal, sei que onde a falta de amor anda não existe passaporte de idade. Entendo que as pessoas se entregam aos desamores e tornam-se amargas, mas conheço bem o sentimento de amar. E o amor não é rotulado por nada. Nada que existe pode barrar esse sentimento, pois é indomável e rebelde por natureza. Não obedece regras, tampouco as banais, como rotular sentimentos por faixa etária.
Percebi que a inspiração não é passiva, ela te ataca, te sufoca, te tira dos trilhos e faz barulho na sua cabeça até que você a coloque para fora. Até que pinte uma parede, escreva até os dedos doerem, jogue tinta sobre uma tela...Ela não se importa com a maneira que vai usar para lhe deixar falar, ela só quer gritar.