Peter Gotzsche
Quando pesquisas importantes demonstram que um produto é perigoso, diversos estudos abaixo do padrão são produzidos dizendo o contrário, o que confunde o público pois - como os jornalistas dirão a você - "os pesquisadores discordam". Essa indústria da dúvida é muito eficaz ao distrair as pessoas para ignorarem os danos; a indústria ganha tempo enquanto as pessoas continuam a morrer.
A principal razão pela qual ingerimos tantos medicamentos é que as empresas farmacêuticas não vendem medicamentos: elas vendem mentiras sobre medicamentos.
(...) Se desejarmos comprar um carro ou uma casa, podemos julgar por nós mesmos se a aquisição é boa ou ruim, mas não temos essa possibilidade se for-nos oferecido um medicamento. Praticamente tudo o que sabemos sobre medicamentos é o que as empresas escolheram dizer a nós e aos nossos médicos.
"A dúvida é nosso produto", disse uma vez um executivo do tabaco, e essa cortina de fumaça sempre parece funcionar. Crie muito ruído remunerado e confunda as pessoas para duvidarem do estudo original rigoroso e acreditarem no ruído.
Embora seja muito óbvio que os medicamentos podem matar, muitas vezes isso é esquecido tanto pelos pacientes como pelos médicos. As pessoas confiam em seus medicamentos em tal grau que o médico canadense Sir William Osler (1849-1919) escreveu que "o desejo de ingerir medicamentos talvez seja a maior característica que distingue o homem dos animais".
Um exemplo particularmente engraçado é a toxina botulínica, que é uma neurotoxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum. É um dos venenos mais fortes da natureza e uma dose de apenas 50ng matou metade dos macacos em um estudo de toxidade (o que significa que 1g pode matar 10 milhões de macacos). (...) No entanto, para que esse medicamento assassino é usado? Para tratar rugas entre as sobrancelhas! Isso vem com a idade, mas o profissional não deve ser velho demais nem tremer ao aplicar a injeção de toxina, pois ela pode ser absorvida pela mucosa no olho e matá-lo. A bula adverte que ocorreram mortes. Realmente vale a pena correr um risco de morrer, por menor que seja, apenas porque você tem rugas?
Quando comecei a trabalhar na indústria farmacêutica, em 1975, ainda havia um bocado de respeito pelos médicos entre os funcionários da indústria e havia limites referentes ao que alguém poderia transgredir. Havia um razoável grau de liberdade acadêmica para pesquisadores da indústria e era mais prestigiado trabalhar em um departamento de ensaios clínicos do que em um departamento de comercialização.
Na década de 1980, isso mudou rapidamente. O pessoal do marketing tornou-se mais eloquente e agressivo, tanto internamente como em relação aos médicos, e os ensaios clínicos foram integrados ao marketing. Os modernos gerentes de negócios ou vendedores com pouco ou nenhum senso para a ciência ou a medicina - às vezes com um histórico de vender refrigeradores ou carros, ou baixa patente nas forças armadas - substituíram os chefes de pesquisa e assumiram não apenas a pesquisa clínica, mas também a pesquisa básica, com consequências desastrosas para a inovação.