Pedro Mairal
Sentia necessidade do meu cone de sombra, da minha tranca na porta, da minha intimidade, nem que fosse só para ficar em silêncio.
Essa coisa siamesa dos casais sempre me aterroriza: mesma opinião, mesmo prato, porre em dupla, como se os dois tivessem a mesma circulação sanguínea. Deve haver um resultado químico de nivelação, depois de anos mantendo essa coreografia constante. Mesmo lugar, mesmas rotinas, mesma alimentação, vida sexual simultânea, estímulos idênticos… temperatura, nível econômico, temores, incentivos, passeios, projetos – tudo coincidente. Que monstro bicéfalo vai se criando assim?
O apaixonado é como o paranoico, imagina que tudo está falando com ele. As músicas no rádio, os filmes, o horóscopo, os panfletos da rua…
Não sei quantos tipos de valor de dólar andavam circulando. Ninguém sabia direito quanto as coisas valiam. O peso se desvalorizava, havia inflação. E começaram os controles do câmbio. Como se em pleno verão você fosse pago em gelo e proibissem geladeiras.
Agora estavam me dando dinheiro para eu sentar e escrever. Eu ficava em dívida com eles. E a dívida era uma coisa invisível que se escondia em meu cérebro. Uma sucessão de imagens inter-relacionadas que deveriam sair da minha imaginação. Aquilo com que eu deveria pagar não existia, não estava em lugar nenhum. Era preciso inventar. Minha moeda de troca era uma série de conexões neuronais que iriam produzindo um sonho diurno, verbal. E se essa máquina narrativa não funcionasse?
Para um autodidata, para quem toca de ouvido como eu, o uquelele é ideal. Entendi que preferia tocar bem uquelele a continuar tocando mal violão, e isso foi uma espécie de nova filosofia pessoal. Se você não aguenta a vida, experimente uma vidinha.