Paulette Virgínio
Gato do mesmo saco
Estava colecionando seus argumentos
Quando descobrí sua mascarada realidade
Pensei que você fosse um gato de outro saco
Mas é apenas uma ave de rapina
De grandes patas.
Que pena...Que pena...
Noturno
Sou um caminhante noturno
Escuto sussurros sem ritmo
Saindo por entre os escombros
vejo a satisfação dos perigos
O navegar dos desejos
A angústia solta
Como um pêndulo oscilante.
Tenho uma inabalável vontade de viver
Um sentimento qualquer coisa
Alguns desejos bandidos
Outros fantasmas emboscados
Planos, quem sabe?
Fantasias, algumas
A passos rápidos sigo
Rumo ao centro do
Buraco- negro
você me entende?
Saindo de um pesadelo
Ando em outra
Encontro-me em plena
Operação-resgate
Abominei seu olhar
Complacente e desta
Vez é definitivo
Afinal, não havia
Enredo entre nós
Apenas situações
Eclipsantes.
Eu precisava de
Uma sinfonia
E você me ofertava
Meras partituras.
Quer saber?
Estou saindo de
Um pesadelo.
Dos bons.
Metamorfoses
E vi você traçando seu futuro
Como se fosse um mago
ou o dono da vida
Seus pés chutaram todas
As pedras do caminho
E elas atropelaram os de muita gente.
Houve lutas, houve fugas
O cavalo alado pousou
E você cavalgou no arco-íris
Ficou verde, azul, branco
Brincou de esconde-esconde com as nuvens
Fez serenata para o trovão
Depois, se fez peregrino na terra
Apaziguou guerras e se fez valente
Foi sábio, conselheiro de muitos
Se fez poeira, vento e furacão
Depois cismou de procurar outros mundos
Fez sua casa vizinha à das algas
Se fez translúcido e líquido
Movia-se livre das amarras
Que você mesmo tinha feito
Conversava com os peixes
E até bailou com um polvo
Desistindo de procurar novos mundos
Pôs um girassol na lapela
E hoje anda embriagado de ilusões.
Sedução
Você me incomoda
E me seduz
Você me incomoda
Tanto quanto me seduz
Você me incomoda
Porque me seduz
Você me incomoda
Você me seduz.
Simplificação
Queria inventar a bomba da simplificação
E contaminar o mundo
Fazer um retrocesso
E me banhar em águas nativas
Esquecer a lucidez, minha companheira
De tempos em tempos.
Sair por aí mordendo flores
Devorando frutas
Ser selvagemente liberta
Possuir a vida
Gerar nascentes de felicidade
Não mais entender de fórmulas que complicam
Minha forma vegetativa de ser
Cavalgar nas asas de uma borboleta azul
Fazer sulcos na neve
Visitar meteoros escondidos
Decretar a inexistência do tempo
Cronometrar o absurdo
Cultivar um estado mental
No qual a alegria fosse uma constante
Tocar músicas das esferas celestiais
Eu seria uma gaivota suave
Delineando horizontes sem fim
O fim seria o início
E você não temeria mais a morte
Brincaria de rodas com o vento
Se tudo fosse simplificado.
O que estou dizendo?
Utopia.
Xeque-mate
Pode ir tranquilamente para o inferno
Pois estou farta de suas retardatárias
Condolências. Estou cansada de correr
Atrás de seus ventos instáveis
Já conheço todos os seus truques
Dei xeque-mate nos seus jogos ilusórios
seu espantalho, sua raposa chorona!
Seus monstros já não me assustam
Você foi um osso duro de roer
Da próxima vez, não sou eu quem irá
Submergir e você sabe bem porquê
Estou recuperando minha alma e você
Cada vez mais fraco e trêmulo
Foi você quem me fez perder a
Ingenuidade. Agora não me acuse de ser
Maliciosa. Detesto seu coaxar fútil e
Ridículo. Tal qual um pássaro
Encurralado, engolindo todos os sapos
Necessários, você está no fundo do poço
Ilhado. E desta vez, não há saída.
Pule, ratinho, a gaiola está eletrificada...
Talvez
Talvez não me pertençam
Os finais de semana
Talvez eu não pertença
A semana
Ou muito menos
Aos finais
Talvez eu sequer
Pertença
Talvez sequer eu
Talvez sequer
Talvez eu
Talvez.
Misteriosamente vou me aprofundando cada vez mais dentro de mim e me espanto ao me ver diferente...
espelhos múltiplos,mil faces...
Anjos Distantes
Você pode se queimar
Com esse olhar triunfante
A fuga se faz estratégica
Plaf, plof, plaf, plof...
Eu sabia de muitas coisas
Do espanto e da desolação.
Quem é você?
Uma guerreira terrível!
Tei! Tei! Pum!
Plaf!!!
O sonho é meu
Veja como as estrelas estão
Perdidas no cosmos.
Numa grande agitação
O vento levou
Os pingos de chuva
Dos olhos da vida
Ainda que seja uma mentira
Eu tô só de passagem...
Certos Carinhos
Por onde anda seus sabores, sons e cheiros?
Me induza a novos delírios como um vampiro
Ponha um profundo olhar nas minhas carências
Pois estou ávida por certos carinhos
E você sabe quais são.
Sinto saudades do seu mágico amor
Onde havia progressivas explorações
E possibilidades de mil fantasias
Meu cálice transbordava e a emoção
Molhada vinha fluindo dos poros
Jamais poderei me esquecer disso
Venha pouco a pouco, sem pressa
E me entregarei sem nenhuma
Barreira ou resistência
Sequiosa, vulcânica, fluida
Sob as cinzas jaz a chama
E nesta vida há coisas
Com as quais não se pode romper
Por mais que se queira.
Confluente
Eu me abro em espaços de interrogação e meditação
Não quero ser da vida apenas um álibi
Por onde nada meu lado de fera, felina, confluente?
Vivo, ora cheia de introspecção e simbolismo
Ora revolucionária e existencial
Não quero viver dentro do esteriotipadamente previsível
Preciso de mais escolhas, estímulos e possibilidades
Porque em mim há uma inabalável vontade de viver
Dentro dos limites-espaço-temporais do tempo
Com um vasto poder de fogo.
Onde o milagre da ressurreição?
O tempo certo para voltar?
Os caminhos do absoluto?
São coisas que importam sempre e me intrigam.
Sei que vimos por entre a multidão
E aí deu-se o início de novos sonhos
Você estava sempre à procura de critérios
Mais objetivos e eu queria saber
O segredo fantástico de suas ilhas
Descobri tesouros insondáveis.
Água-Viva
O pé na estrada não sente
Que o rumo já se perdeu
Na Consciência do viajante
Sua lucidez voou para um espaço livre
Tudo indica que há palmeiras
No final do caminho
Há indícios de água-viva no meio do mar
Não mais morto.
E a atmosfera se faz verde, brilhante
Posso divisar a luz, o sol e a vida
Sentida em cada poro que se abre
E deixa passar o suor de minha angústia
De minha espera.
Passou o cavalo louco, talvez espantado
Pelo fantasma do meu medo
Que me persegue constantemente
E não há nada que o possa exorcizar
Talvez seja essa lua cheia que o desperta.
Repetem-se as cenas em câmara lenta
A realidade se fragmenta
E cada um desses cacos se transforma
Num lindo sonho voando devagar
Poro infinito, mas enxotado pela Rainha
Do mundo da Realidade.
"Fora, não há lugar para você"
E ele se vai, tão docemente...
Eu me fixei ao chão
E daqui não posso sair
Cogumelos são meus vizinhos
E me embriagam
Viajo com eles até a galáxia mais próxima
Sem passaporte ou suporte
Com a inconsciência do inconsciente fotografado
Vou mais além e me perco pra longe
Bem longe de mim
O quebra-cabeças se embaralha
Se emaranha na mesa da sorte
O seu outro "eu" anda por aí, sem saber
Dos perigos que corro a cada dia
Ele pouco sabe das minhas mil mortes
Do solo perigoso que possuo e que pode
Desmoronar a casa instante.
Do efeito cicatrizante que tem o seu olhar
Sobre minhas feridas
Da luta maior gerada com a suspeita
De que sesse amor me faz percorrer
A "Terra Prometida".
E é tudo quanto tenho no momento
Procuro arrancá-lo com todas as forças
Que já não possuo.
Alma Em Voo
É o cúmulo da insensatez
A demência das escrituras
Tal qual uma ninhada de cães
Numa noite de vigília
O mundo anda cambaleante
Com suas torrentes esgotadas.
Eu sou um raio de luz
O real e o irreal
Massa voraz
Repleta de sofismas mágicos
Sou uma engenhosa metáfora
Nas gavetas do meu cérebro
Os dias são trêmulos
Como novas paixões
Ou como um teatro ácido
Ou as ruínas das Civilizações.
Os elétrons fogem
Com o vento furioso
Estou plena de seiva
Povoada por claras estrelas
Que agem tal audazes estupefacientes
A magia da linguagem
Se faz tão antiga
Como as trevas milenares
Desejo a música
Antes de qualquer coisa
Desafio às estrelas
Com seus jatos violentos
Em ondas cósmicas
Os negros fantasmas
Reproduzem as moléculas
A tarefa sagrada
E o vento crispado
Me faz pensar
Que a ação não é a vida
A revolução dos meios
A suprema simplicidade
Virá com a marcha dos tempos.
Alvoroço Ufanista
A festa é traiçoeira
Este lamaçal
É uma manifestação cultural
Em cujo céu coberto
De nuvens gordas
Contém os fabulosos
Animais do zodíaco
E eles valem muito.
A solidão é inevitável
A vida, uma miséria andante
Sobre a lama e sobre pedra
Alguns homens ganham o inferno
Falando sobre a história do mundo
A exploração humana.
Dizem que o destino está marcado
Estou musicando imagens
Com a ilusão dos mitos.
Foi uma boa experiência
Os mitos transformados em música
Sinto um frio imenso
Vejo a boca do dragão
No último grau de decadência
Sinto um vazio no estômago
Vejo cintilações palpitantes
E os argumentos são ridículos
Hesitantes e invisíveis
Tcham-tcham-tcham-tcham...
A luta é brava
Os monstros apocalípticos...
Socorro!!!
Aquilino
Águia Voadora
Admiro sua resistência nas tempestades
Suas garras espantam os abutres
E sua luta pela sobrevivência é espantosa
Sua meta será atingida
Sua vitória é imprescindível
Penso que os raios não surtirão efeito no seu corpo
Sabe o que mais me surpreende?
Sua imunidade aos vírus emocionais
E seu habitat estava repleto deles
Recalques, chantagens, frustrações
O rondavam por todos os lados
Arremessados em sua cabeça em linha de tiro
E aí eu o via altivo, bater asas e voar.
Quando o conheci, voos rasantes eram comuns
A perfeição do voo estava quase atingida
E imagino as derrapagens, o medo
Que você dizia ter sentido no início
Mas que não acreditei.
Sua escalada ascendente me fascina
Poço misterioso fervilha em sua alma
As alturas serão sua morada
O alado, seu companheiro
Debaixo de suas asas
Percorri dimensões altíssimas
Rompi a barreira do tempo, da velocidade
Vislumbrei espaços de luz e de fogo
Você me guiou por veredas infinitas.
Devolvi à terra
Nunca mais o chão me atraiu
Ficou em mim restos de ar
Imperceptíveis
Não tenho asas
E daqui contemplo seus voos
Suas brigas
O espaço infinito é seu
A vida lhe foi dada
Para galgar alturas
Valeu a pena tê-lo conhecido
Ó Filho da Liberdade!
A Vida É Como Um Rio
Isto não irá adiantar
Estou aqui sozinha
Dormindo no vazio
Debaixo da morada das estrelas
Por quê? Por quê? Por quê?
Lembro-me de Hitler
Sinto a insegurança do desconhecido
Por que você me deixa só?
Cuide de mim, por favor!
Sei a que vida é como um rio
Com suas necessidades neuróticas
Quero nascer outra vez...
Não mais ser essa medrosa introspectiva
Acabar com essa comédia ridícula
Me disseram que o tempo cura tudo
Mas sei que só o seu amor
Será capaz de me prender
E você cortou tudo entre nós...
Por que o céu é azul?
Quem é a quarta dimensão do tempo?
Cada um tem o seu próprio caminho
Quero sair dessa prisão!
Tenho essa ideia fixa
Minha mente está oscilando
Devo ter mais paciência
Não ter tanta pressa
De ficar procurando por outras coisas
Afinal, estou aqui de visita.
Quanto tempo faz que não conversamos?
Você quer me destruir?
Talvez o melhor seja ficar em silêncio,
E se você me procurar no seu silêncio,
Com certeza, estarei lá.
Você sabe quem eu sou
Não gosto de sangue
Não quero um muro ao meu redor
Quero a vida e a vida é o presente.
Mas eu permaneço insatisfeita
É uma consequência natural
E preciso estar alerta
Tenho que encontrar um caminho
E este será definitivo.
Balanceando
Contrariando minha própria vontade
Percebo que minhas verdades
Hoje não serve
Para o que disse ontem.
Se no passado acreditava em mitos
Seres fantásticos
Hoje a realidade me faz conviver
Com carnes e ossos.
O colorido das roupas e dos espaços
Já não brilham tanto nas minhas pupilas
E me esqueci disso.
Passei a cobrar de mim mesma
Resto de alguém que não mais existia
Houve um tempo em que borboleteava pela vida
E tinha medo de pisar no chão
Fechava os olhos à miséria
E o cor-de-rosa predominava.
Não dá mais pra policiar
O que já não sou
Há muito tempo a gaiola se abriu
E não sei ao certo se escolhi
Ratos ou sapos
No fundo do poço há cobras e lagartos
Esperando os demônios de cada um
Minhas incertezas de hoje
São verdades do futuro
Misteriosamente vou me aprofundando
Cada vez mais dentro de mim
E me espanto ao me ver diferente
Espelhos múltiplos, mil faces.
A noite chegou e continuo
A insistir que é dia
O barco pousou no porto
E dispensei a viagem
Hoje quero viajar e
Me falta port, me falta barco
Queria percorrer estranhos mundos
E em cada um recolher um pouco de mim
Juntar todos os pedaços
E o que sobrar de sólido, serei eu
Novamente pronta pra desintegrar
Em mil pedaços, mil cacos, mil sacos...