Paul Celan
Elogio da Distância
Na fonte dos teus olhos
vivem os fios dos pescadores do lago da loucura.
Na fonte dos teus olhos
o mar cumpre a sua promessa.
Aqui, coração
que andou entre os homens, arranco
do corpo as vestes e o brilho de uma jura:
Mais negro no negro, estou mais nu.
Só quando sou falso sou fiel.
Sou tu quando sou eu.
Na fonte dos teus olhos
ando à deriva sonhando o rapto.
Um fio apanhou um fio:
separamo-nos enlaçados.
Na fonte dos teus olhos
um enforcado estrangula o baraço.
Na fonte dos teus olhos
vivem os fios dos pescadores do lago da loucura.
Na fonte dos teus olhos
o mar cumpre a sua promessa.
Cristal
Cristal
Não procura nos meus lábios tua boca,
não diante da porta o forasteiro,
não no olho a lágrima.
Sete noites acima caminha o vermelho ao vermelho,
sete corações abaixo bate a mão à porta,
sete rosas mais tarde rumoreja a fonte.
(tradução de Claudia Cavalcanti)
Do Azul
Do azul que ainda busca seu rosto, sou o primeiro a beber.
Vejo e bebo de teu rastro:
Deslizas pelos meus dedos, pérolas, e cresces!
Cresces como todos os esquecidos
Deslizas: o granizo negro da melancolia
Cai num lenço, todo branco pelo aceno de despedida.
(tradução de Claudia Cavalcanti)
Salmo
Ninguém nos molda de novo da terra e do barro,
ninguém conjura o pó nosso.
Ninguém.
Louvado sejas, Ninguém.
Por amor a ti queremos
florescer.
Ao encontro
de ti.
Um nada
éramos, somos, seremos
ainda, a florescer:
a Rosa-de-Nada, a
Rosa-de-Ninguém.
Com
o almacândido cálamo,
o ermoceleste filamento,
a rubra coroa
do verbo purpúreo, que cantávamos
sobre, oh sobre
o espinho.
(Tradução de Matheus Guménin Barreto)
Morte
A morte é uma flor que só abre uma vez.
Mas quando abre, nada se abre com ela.
Abre sempre que quer, e fora da estação.
E vem, grande mariposa, adornando os caules ondulantes.
Deixa-me ser o caule forte da sua alegria.
(Tradução de João Barrento)
Distâncias
Olho no olho, no frio,
deixa-nos também começar assim:
juntos
deixa-nos respirar o véu
que nos esconde um do outro,
quando a noite se dispõe a medir
o que ainda falta chegar
de cada forma que ela toma
para cada forma
que ela a nós dois emprestou.
(Tradução de Claudia Cavalcanti)
COMO TE EXTINGUES em mim:
ainda no último
e gasto
nó de ar
estás lá com uma
faísca
de vida.
(Tradução de Claudia Cavalcanti)
… o poema não está fora do tempo. Ele pretende certamente o infinito, mas ele busca passar através do tempo – através, não acima.