Northrop Frye
Aqueles que conseguirem ler a Bíblia do começo ao fim descobrirão pelo menos que ela tem um começo e um fim - e resquícios de uma estrutura completa. Ela começa com o começo do tempo, na criação do mundo; e termina com o término do tempo, no Apocalipse. No meio do caminho ela resenha a história humana, ou o aspecto da história que lhe interessa, sob os nomes simbólicos de Adão e Israel. Há também um corpo de imagens concretas: cidade, montanha, rio, jardim, árvore, óleo, fonte,pão, vinho, noiva, carneiro e muitas outras. Elas são tão recorrentes que indicam claramente a existência de um princípio unificador. Para um crítico este princípio deve ser mais de forma do que de significado. Dizendo-se de modo mais preciso, nenhum livro pode ter um significado coerente se não possuir alguma coerência em sua forma. Assim o curso tornou-se uma apresentação de uma estrutura unificada das imagens e da narrativa na Bíblia, e é isto que forma o cerne deste livro.
(Trecho da Introdução a "O Código dos Códigos")
Desde o Meno, de Platão, é possível estabelecer que o professor não é, em primeiro lugar, alguém que sabe instruindo quem não sabe. Ao invés disso, ele é alguém que tenta recriar o assunto na mente do estudante. Sua estratégia é a de antes de mais nada fazer o estudante reconhecer o que potencialmente já sabe, e isso inclui a quebra dos poderes de repressão interna que o impedem de distinguir o que sabe. Eis aí a razão de ser o professor, e não o estudante, quem faz a maior parte das perguntas. Esse traço de ensino em meus livros provocou algum ressentimento entre meus leitores, ressentimento que se deve muitas vezes à lealdade para com outros professores. Esse ressentimento vem junto com a percepção de uma certa esquiva deliberada de minha parte, trazida à baila sobretudo porque não dispenso a ironia, coisa essencial, para todo o professor desde Sócrates. Nem toda a esquiva, entretanto, é apenas uma esquiva. Até mesmo as parábolas de Jesus eram ainoi, ou seja, fábulas com uma característica de enigma. Em outras áreas, como no zen-budismo, o professor no mais das vezes é alguém que mostra sua capacidade por se recusar a responder às perguntas ou que as varre com algum paradoxo. Responder a uma pergunta (ponto a que voltaremos no curso deste livro) é consolidar o nível mental em que foi formulada. A menos que se deixe algo de reserva, sugerindo a possibilidade de uma pergunta melhor e mais completa, o avanço mental do estudante se detém.