Nélida Piñon
Se a memória simula esquecer os mortos, o amor, albergado no coração e sempre à espreita, a qualquer sinal açoita quem sobrevive às lembranças.
...às vezes, tem ciência de acertar, de atingir por momentos o ápice da narrativa. O raro instante em que, ao atingir a corda sensível do enredo, não lhe cabe recuar ou abdicar dos ingredientes que, apaixonadamente enlaçados, determinam seu desfecho.
O escritor não deve apenas criar, mas deve também emprestar a sua consciência à consciência dos seus leitores, sobretudo num país como o Brasil.
Não tenho filhos, mas leitores, capazes por si sós de defenderem a civilização contra os avanços da barbárie. A eles nomeio sucessores de uma linguagem irrenunciável. E, embora duvide às vezes se vale defender alguns princípios hoje contestados, persisto em inscrever certas normas no código dos direitos humanos.
Anseio por liberar-me das obrigações, da falsa polidez, do peso dos objetos. A solidão, que a noite acentua, é a minha salvaguarda.
Alijado assim o homem da aventura do universo, expulso de um paraíso onde outrora reinara a sombra de Deus, não lhe restou senão a iniciativa de inventar. De descrever a vastidão do mundo, sob o amparo da arte e da ilusão. De atribuir-lhe inesgotável gama de mistérios por meio dos escassos recursos do seu precário verbo.