Natana Magalhães
As mulheres negras constroem e ocupam espaços de discussão e transformação na sociedade, atribuindo significado político às iniquidades que nos acometem, pois o racismo alimenta todas as formas de poder e molda a maneira como vivemos. No que diz respeito ao consumo nocivo de álcool e suas consequências, isso não é diferente. Se, por um lado, somos as mais prejudicadas pelo consumo de álcool — um dos principais fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis — por outro, há uma indústria, branca e masculina, que lucra deliberadamente a despeito de nossas dores e com o aval do poder público. Enfrentar o racismo é também unir-se às mulheres negras na luta contra tudo o que compromete nosso direito a uma vida plena e saudável, quando, em vez disso, nos oferecem doses de sofrimento.
"Só por Hoje
Hoje as batidas do meu coração
Estão em toque de Ijexá
Ritmadas a bater leves como quem dança
Porque se a vida nos balança, é preciso gingar
E como boa capoeira, eu sei
Escorregar não é cair
É jeito que o corpo dá
E eu estou de pé
Dançando a vida como criança
ORIentada de Axé
Sentindo o amor de Iyabá
Bem no meio do meu peito
Bendizendo e dançando à vida
Em ritmo ancestral
Porque Só Por Hoje
Tudo tem jeito."
"O caminho da recuperação é contínuo como a própria vida. É de autoconhecimento ou de reORIentação¹ e para se reorientar e ganhar novos rumos é necessário, também, obter novas referências, senão arriscamos caminhar com passos largos por lugares já conhecidos e áridos. Talvez você esteja passando por algo similar por aí e também queira dar o seu primeiro passo.
Para isso, eu precisei entender o que faz parte de mim. Eu não queria que o alcoolismo fizesse parte da minha vida, mas faz. Encarar de frente essa realidade é um choque, mas somente com esse reconhecimento foi possível observar todas as outras coisas que também compõe a minha história e o quanto ela é grandiosa, linda, cheia de complexidades, episódios ruins, dias maravilhosos, uma baita vida, porque eu sou uma baita mulher, assim como você que está lendo é incrível."
"Não é uma prática nova se utilizar dos anseios, fragilidades e pretensões de pessoas que buscam algum tipo de acolhimento por estar vivendo uma situação de sofrimento, angústia ou insatisfações. A narrativa da solução rápida e prontinha para termos a vida inatingível, num corpo irretocável, com a saúde mental “nos trinques” é muito sedutora. Mas sabemos que é muito destoante da nossa vida real atravessada por aspectos que fogem ao nosso controle. Tratar questões complexas como a saúde demanda tempo, esforços, custos financeiros e simbólicos. Não se realiza com 'abracadabra'."
"Mesmo que uma pessoa branca não reconheça seu lugar social, constituído historicamente, e como este atua simultaneamente na forma como acessa e mantém privilégios, essa é uma realidade. A negação das discrepâncias sociais e das classes sociais que o racismo produz são ferramentas coloniais e um recurso amplamente utilizado por grupos hegemônicos.
É necessário mentir, ser perverso e arrogante para manter as coisas como são. Afinal, a mentira é um precioso recurso do racismo. Também é necessário fingir que está tudo bem em ser herdeiro, mega-empresário. Aqui é a mentira da meritocracia que é repetida incansavelmente até que uma pessoa comum acredite que privilégio é, na verdade, resultado de esforço.
Estou dizendo isso para que a gente reflita sobre o fato de que a indústria do álcool é branca e que é uma hipocrisia, no nosso país, falar sobre consumo prejudicial de álcool sem dimensionar quem mais se prejudica e quem mais lucra nesse contexto. Muito se fala sobre quem consome de forma abusiva. E quem produz de forma abusiva?"