Natália Borges Polesso
Tenho me pensado como lugar, sabe? Um corpo é um lugar? O corpo como metáfora de lugar, percorrido, uma cartografia de vida, com suas marcas, sinais, ilhas. Não uma correspondência exata, como se o cérebro fosse uma parte cultural da cidade e o estômago uma parte gastronômica, mas um mapa caótico, sem fronteiras, onde as ruas vão dar em becos escuros e estreitos como nossos dedos e em lugares úmidos e com cheiros ocres. Como nossos olhos.
Quando subia, seu coração desalinhava as batidas e os pelos da nuca se transformavam em alfinetes gelados; quando descia, era fogo que bruxuleava, e lhe crepitavam sensações de primaveras úmidas e suores e moleza e flores.
E eu só quero que nós nos entendamos, mesmo que não seja assim tão simples. Porque tu é tão livre, tão dona de si, e eu sou tão dura e cheia de regras, mas eu somei e dividi nossos amores para saber quanto podemos amar por dia.
É assim que eu me sinto. Completamente desfigurada. Cheia de feridas pesadas, nojentas, que não vão curar. E vão causar sempre essa sensação de repulsa. Minha. Nem abraço nem toque nem nada reconforta, porque o que eu sinto é nojo. Quando alguém me encosta, eu tenho medo e nojo. Vou sujar a pessoa com meu pus e ela vai deixar que minhas feridas infeccionem.
Não havia maneira fácil de fazer aquilo, eu teria que submergir no meu próprio inferno para depois quem sabe chegar à outra ponta mais clara da vida, no centro quente de quem eu queria ser.
Então eu tenho vontade de mergulhar para me curar do amor que ainda não tenho e não sentir a saudade que nem existe.