Nágila de Sousa Freitas
Eu não poderia ser eu, se não existissem outros “eus”. E ainda não poderia ser eu, se não assegurasse minha imagem em pensamentos discorridos sobre um eu. Ainda que seja assim, eu não tenho um eu definido, logo, acabo não sendo eu, por não ser este propriamente dito... Sente-se lançar uma leve impressão de muita confusão para apenas um deus-nos-acuda! Mas, tudo fica muito evidente, quando me basta apenas saber que eu, não sou eu, sou poeta.
AMOR CORTÊS
Lança sobre as rebaixadas flechas de encantamento.
Inventa o doer, corrobora a persistência da dor.
É a certeza inconsistente dentre amar e padecer.
Tem a mais aguda lealdade de um trovador submisso.
Oh criatura supina!
Que toma a liberdade dos homens com o domínio de suas pomas.
Torna vassalos os mais conservados cernes.
Aprisiona os encéfalos nas ondas de seu corpo molhado.
Não é pequena pra não ser jamais menor.
É inspiração de gênio, fruto da mais perfeita criação.
Dona de todos os encantos corporais.
Envolve com pujança. Oh ser superior.
Marca à servidão com suas unhas grandes.
Prende seus escravos em sua respiração.
Deixa-os presos no aroma de seu cheiro.
Escraviza-os até o esgotamento dos corpos.
Transforma-os em pó com os dotes de seus feitiços.
Oh dona da dor, oh dama do amor.
CAUSA DE MIM
Eu sou a coisa nula de um todo vácuo...
Não existo por ter, mas por ser.
Não tenho a coisa, sou a coisa.
Não desvendo mistérios, sou um mistério.
Não sou demente, nem sou esperta:
sou satisfatória para quem é satisfeito comigo.
Lanço flechas na vida.
Miro somente o imaterial.
E só acerto o alvo, quando ele é grande,
que é para a ponta da flecha entrar bem no fundo do cerne.
Não espero salvar o mundo, para dominá-lo depois.
Nem quero que o mundo me salve,
para depois me tirar o sonho de ser eterna.
E mesmo sem muitas explicações,
quero apenas que a causa, me cause infinitamente.
DESCOBERTA
Junto à banca no cariri
no meu ninho, recanto de cá.
Em um supetão fez cócegas acolá.
Ah... Foi lá!
Foi que fiquei trepidante
com a caneca do ceará de olho em mim.
Noto que me lembrei, que lá na Fortaleza, nossa!
Um tanto bem longe está.
Na sombra ligada da boca da noite,
uma mulher descorada, escassa de pêlos nos braços,
após improvisar uma casca tênue com o borrão do tempo,
imagina precariamente, se acomoda e já está roncando.
Ah que saudades do ceará!
EU POÉTICO
Minha poesia é tudo,
quando ela é nada.
Meu coração vai fundo,
quando o meu ego se perde no mundo.
ESSÊNCIA SÓCRATES
Eu não era eu,
até saber quem eu sou.
Eu não tinha vida,
até saber que a sabedoria é imortal.
Eu não era nada,
até saber que sou aprendiz da vida.
Eu não sabia nada,
até saber da minha ignorância.
Minha falta de saber,
apreciou meu único conhecer.
A enigmática existência,
enricou a alegria de meu aprender.
Não saberei, sabendo de tudo;
não conhecerei se não refletir;
não sei, contudo quero pensar
E pensando eu aprendo que não sei.
Sendo apenas abundante do universo;
sendo apenas resto de ideias;
sendo apenas eu, na ignorância do mundo todo.