Murilo Genehr
Pra quê tanto vidro na porta do mercado?
Entra a luz que não ilumina ninguém
O povo de pé, do lado de fora
Descalço, esfregando o pé no tapete
Até tirar a cor
Pra quê tanto vidro na porta de casa?
Todo mundo tá dentro, sem nunca ter entrado
Como se ser fosse só aparecer
Palco montado, sem turnê
Só pra vizinho ver
Pra quê tanto vidro na porta do peito?
Vai pegar toda poeira que o vento jogar
Quando alguém quiser, vai largar
Deixar só a marca dos dedos
E chuva vai bater, escorrendo feito lágrima.
Pra entrar, tem que quebrar.
Mochila velha vazia
Boca seca e uma obra toda pra acabar.
Escapulário enosado
Da mãe que mandou o filho rezar
Espírito de menino na terceira série
Lento nas contas, inerte na tábula
Olhar distante do quadro, virado pra janela
Sem a vontade de ninguém
Pé que afunda na beira da praia
Correndo pra longe do povo, que ocupa toda a areia
Deixaram todo o mar
Pra quem não sabe nadar
Santo chamado na desgraça e esquecido na prece
Deixado de fora do altar
De um nome gritado e lançado
A padroeiro do vazio
Rosto cansado do eterno aguardo
Nunca soube o que era, mas sempre esteve pronto
Pronto.
Pra alguém que pediu a permissão e nunca quis entrar.
Cabeça baixa
De quem olha o pé descalço
Calo no dedo, costura o furo da calça
Camisa nova só em dia inseguro
Adiante
Até a próxima quadra
Vira a esquina
Te vejo no mês que vem
Liga de orelhão, zera o cartão
Com a foto do rio
Pra onde nunca mais foi
Mal lembra o que viu
Recorde, feito Roberto no divã
Um dos teus nomes
Vou pra casa, esperar a ligação
Esquecendo que você zerou o cartão
Vou atrás do que ficou
No meio da briga de gravata
Adiante
Até o final da quadra
Irmão, guarda o cartão
Tá vazio, mas tem foto do Rio
E você, dá a volta
Nem que seja na quadra.
Dá a volta.
E volta
Avisei que ia ter o dia do corre.
E que ninguém ia pegar.
Foragido fica como está.
Quem não tem casa, foge pra qualquer lugar.
Avisei que ia ter dia do porre.
Chutado pra fora, depois das três.
Na mesa a pinga, no chão o rapaz
Já era 13, ainda tava deitado.
Avisei que ia ter o dia da virada.
Do ano velho pro ano do velho
Reclame e memória.
Lembrança de quand(t)o valia viver.
Avisei que ia ter o dia da seca.
De quem não pode nem com o cheiro.
Na memória é a porta fechada.
Gosto só de remédio.
Avisei que ia ter o dia do choro.
Por coisa que até que passa.
Porque se não passa, não tem jeito.
Já foi o dia do corre.