Mil Dias em Veneza - Marlena de Blasi
-Comecei a seguir você, mas parei porque não tinha a menor ideia do que faria se ficássemos cara a cara. Quer dizer, o que eu poderia lhe dizer? Como poderia dar um jeito de conversar com você? Então deixei você ir. É minha especialidade, sabe, deixar as coisas passarem.
Eu me apaixonei por você, não a primeira vista, porque só vi um pedaço do seu rosto. Para mim foi amor à meia vista. Foi o suficiente. E não ligo se você achar que eu sou louco.
Muitas vezes somos nós que não deixamos a vida ser simples. Por que precisamos espremê-la, mordê-la e arremessá-la contra o que nos convencemos serem nossos grandes poderes racionais? Nós violamos a inocência das coisas em nome da racionalidade para podermos seguir sem interrupção nossa busca por paixão e sentimento.
Sei que estou arriscando com o estranho, porém, mais do que isso, sei que, aconteça o que acontecer, pela primeira vez na vida estou apaixonada.
De vez em quando, nossa vida é iluminada por alguma coisa ou por alguém. Vemos um clarão de luz e chamamos isso de "felicidade".
Viver a dois nunca significa que cada um fica com a metade. É preciso se revezar para dar mais do que se recebe. Não se trata de aceitar quando o outro quer jantar em casa em vez de sair, ou decidir quem vai receber a massagem com óleo de calêndula certa noite. Há épocas na vida de um casal que funcionam, acho, de certa forma um pouco parecida com uma ronda noturna. Um dos dois fica de guarda, muitas vezes durante um longo tempo, proporcionando a serenidade necessária para o outro fazer alguma coisa. Em geral, essa coisa é árdua e cheia de dificuldades. Um dos dois entra na escuridão enquanto o outro fica de fora, segurando a lua no céu.