Micael Reis Sousa
Vó
Da onde tirei essa ideia de gostar de jiló
De apreciar o café sem açúcar, só o pó
De beber leite na caneca esmaltada
Mesmo que acabe com a língua queimada
Foi por causa da Senhora
De onde vem esse prazer em cozinhar
Do gosto pela comida fresca,sem requentar
O feijão com farinha quando acaba de ser cozido
E a preferência pelo chá, ao invés de comprimido
Foi por causa da Senhora
Dessa loucura pelo cheiro da terra e do mato
De não importar se o presente é caro ou barato
Se a roupa é ou não de alta costura
E tanto faz se é doce de leite ou rapadura
Foi por causa da Senhora
Quanta influência a Senhora em mim exerceu
Durante o período aqui nesta terra que a Senhora viveu
E mesmo aqui não mais estando
Os meus passos a Senhora continua influenciando
Ah, que saudade da Senhora
Mas uma coisa me conforta
Meu amigo Santo Agostinho assim exorta
"A morte não é nada"
Então, logo estaremos juntos ao fim aqui da minha jornada
Ah, como eu amo a Senhora!
Decisão
Tenho por aí escutado
Que tudo já está programado
A hora de nascer, morrer, ficar ou não doente, definhar ou ser curado
Dentre outras possibilidades isso tudo de certo modo tem me contrariado
Acredito no livre arbítrio
Desde quando o mundo foi criado
Sou livre pra viver
Não para como uma marionete ser controlado
Tomar essa crença como verdade
Tem feito mal pra nossa sociedade
Onde nunca nos comprometemos
Sempre terceirizamos a responsabilidade
Tendo ponto de maior gravidade
O estímulo a individualidade
Nos fazendo esquecer, de como se deve viver
A vida de comunidade
Deixo aqui pra reflexão
Uma pergunta pra você responder meu irmão
Se tudo é fruto de uma prévia programação
Qual a lógica de existir sentimentos como amor, ódio, carinho e paixão?
Reflita, reflita, fazer você pensar
Essa é minha intenção
Mas concordar comigo ou não
Isso cabe somente a você
É sua a DECISÃO!
Referencial
Quando falo de coisas simples lembro do seu Zé
Simples não pela casa de pau a pique que morava
Nem pela roupa remendada que trajava
Muito menos pelo chinelo que ele não calçava
Simples por enxergar a vida na perspectiva que ele enxergava
Simples pelo bom dia sempre cheio de alegria
Mesmo sendo ignorado por muitos que passavam por ali na correria
Simples pela benevolência com os pedintes
Não importando se com esse ato fosse passar fome nos dias seguintes
Simples pelo zelo com as flores da praça
Mesmo quando estas eram arrancadas por jovens fazendo arruaça
Simples por recolher papéis de bala jogados no chão
Frutos de um ser sem consciência e educação
Simples por empurrar um carro na subida e de suor ficar todo molhado
Sorrindo e dizendo que isto acontece ao dono que deixou o combustível ter acabado
Simples pela forma peculiar que falava
Isturdia, rumbô, gurussa, e muitas outras palavras que sua simplicidade inventava
Simples pela Ave Maria com uma modificação
Bendita suas AVÓS entres as mulheres, essa era sua oração
Simples por enxergar só o essencial
Nada de material
Ver só o lado bom, não o mal
Por isso, seu Zé é mais que especial
Seu Zé é meu REFERENCIAL
Esse nosso amor
A gota amarga do mel
A partícula doce do fel
Assim se explica esse nosso amor!
A sanidade do insensato
A hiperatividade do pacato
Assim se explica esse nosso amor!
A felicidade da tristeza
A fealdade da beleza
Assim se explica esse nosso amor!
A integridade do pecado
A facilidade do complicado
Assim se explica esse nosso amor!
A certeza da indecisão
O desânimo da motivação
Assim se explica esse nosso amor!
É bom, ao mesmo tempo ruim
É o começo, logo o fim
A verdade nua e crua
É que nada explica esse nosso amor!
Ainda dá tempo
Você já se lembrou, do cheiro e o gosto do café que hoje você tomou?
Ou só lembra da língua queimada, e do grito aí meu Deus estou atrasada
Do sorriso da vizinha te desejando bom dia, na hora que de casa você saía?
Ou só lembra do vidro fechado, pra não ter perigo de por alguém ser chamado
Da satisfação que seu amigo te agradeceu, pela carona que hoje você lhe deu?
Ou da gasolina a mais que gastou, que pra não dar carona até de rota você mudou
Da alegria do seu filho dizendo caraca, hoje consegui almoçar usando garfo e faca?
Ou da vergonha pelo gemidão que você caiu, porque nem na hora do almoço do celular você saiu
Do abraço do seu filho se dependurando esgarçando a camisa e a sua gola, quando você buscou ele hoje na escola?
Ou do seu resmungar enfurecido, quando ele teve que voltar pra buscar a lancheira que havia esquecido
Do zelo e carinho da sua esposa ao cozinhar, cantando, assoviando preparando o jantar?
Ou dos gritos de reclamação, porque ela esqueceu de por sal no feijão
E aí do que você se lembrou hoje?
Se fosse pra contar pra alguém, você contaria orgulhoso ou ficaria envergonhado?
Pense, repense, coloque na balança e veja qual lado ficou mais pesado
Ainda dá tempo de lembrar das coisas boas!
Desvairamento
Estranho, esquisito, perdido, assim que me sinto
Coisas absurdas me desnorteiam
Me deixando exilado em um labirinto
Labirinto este onde vejo a cor da escuridão
Cor robusta, intensa e fulgurosa
De repente meus ouvidos detectam uma canção
Melodia tão bela e harmoniosa
Entoada por algo que me deixou surpreso
Notas afinadíssimas tocadas pelo silêncio
Labirinto este que me faz valente, porém um detento
Ao ver que letras graúdas, bem destacadas
Se tornam minúsculas ao se depararem com uma lente de aumento
E a confusão óptica nesse momento dando gargalhadas
Porque nem ela e nem Freud explica
Labirinto este morada de situações surtantes, impraticáveis
Indecorosas e inexplicáveis
E por um momento tudo parece verídico
Realmente
Mas vejo que são coisas do meu pensamento
E que tudo isso não passa de um grande DESVAIRAMENTO