Matheus Stremel
Será que temos como saber onde estamos? Como estamos? Porque a graça e a felicidade brasileira estão envaidecidas? Porque o brasileiro tornou-se uma bomba, prestes a explodir a qualquer momento? Atire primeiro e pergunte depois, essa é a ordem operacional do brasileiro hoje. Porque não temos mais paciência?Será que eu tenho culpa? Será que tu tens culpa? Será que Cabral tem culpa? Quando criança, eu queria crescer, ser adulto, me parecia tão boa essa "independência" que nos parece quando pequenos, o que na verdade é só mais um buraco onde você vai se enterrando ao passar dos anos. O ensino médio não é um filme musical, nem bom, nem ruim, não tem magica nenhuma, não tem armários azuis, não tem aventura, e de vez em quando não tem nem final feliz. Olhar para os mais velhos da escola e ter respeito, isso não existe mais hoje em dia e é difícil acreditar que um dia existiu, ou será difícil acreditar que um dia deixou de existir? Eu só queria voltar a ter 11 anos para brincar, jogar futebol, me divertir, sem saber o que me espera logo à frente, sem me preocupar em ser assaltado na esquina, sem pensar no amanhã. Mas porque pensar no amanhã se o bom foi ontem? Ou será que o bom é hoje e sentirei falta amanhã? Ou será que o bom é amanhã e não deveríamos pensar no ontem? É, eu só queria voltar a viver na minha bolha azul, com fadas, lobos e brinquedos.
Nasci colorado, nasci em Porto Alegre, nasci em uma família onde o azul dominava. Meu pai sendo o único colorado em minha volta me fazia acreditar no vermelho mesmo sem entender muita coisa, mas no dia 17 de dezembro de 2006, eu vi a felicidade nos olhos daquele homem que gritava e balançava a bandeira alvirrubra do time colorado. Ele não viu muito das conquistas coloradas da ultima década, 13 meses após a maior conquista da história do Internacional, ele faleceu. Anos se passaram, títulos foram conquistados, clássicos foram vencidos, e ídolos foram perdidos. Eu vi a forte marcação de Ceará no Ronaldinho, o nariz sangrando do Índio, a bola defendida por Clemer nos pés de Iniesta, o sorriso de Ronaldinho se fechar e a bola enfiada por Iarley para o predestinado Adriano Gabiru. Eu vi o massacre sobre o Pachuca no Beira-Rio, a chegada do maior meia da História do clube, a garra de Nilmar na Sul-Americana 2008, vi Taison ser comparado a Messi e ai de quem discordasse. Eu vi a América ser pintada de vermelho mais uma vez, vi D'alessandro ser eleito o melhor da América e vi o mesmo D'alessandro calar a tão amedrontadora La Bombonera. Perdi mais alguém, dessa vez não foi um familiar, dessa vez eu já entendia alguma coisa da vida, dessa vez foi trágico, dessa vez não fui o único a perder, foi uma torcida, uma nação, uma religião, acordar de manha com a noticia de que Fernandão tinha sofrido um acidente e tinha vindo a falecer foi horrível, a nação colorada perdeu mais do que um jogador, um ídolo, um atacante, perdemos simplesmente Fernandão. Eu grito, eu canto, eu apoio, eu empurro o time pra cima de qualquer adversário, eu não tenho medo de nenhum time do mundo, eu berro de emoção com os gols do meu Inter, aquece o coração entrar no Beira-Rio e ver meu Inter jogar, eu beijo este símbolo sagrado com muito orgulho e muito prazer, eu sou colorado, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, amando-te, respeitando-te e sendo-te fiel em todos os dias de minha vida, até que a morte nos separe.
Assim como alguns anjos, fomos expulsos do paraíso e jogados em um local descrito na bíblia como o fogo que arde com enxofre, onde se é atormentado dia e noite. Passamos um ano no inferno, contando cada minuto. Foi um ano difícil, severo, duro, penoso e acima de tudo embaraçoso, ficamos exauridos, mas saímos de lá! Chegamos aos seus portões, com as mãos sujas de sangue e os olhos embaçados pela imundície, de cabeça erguida e mais forte do que antes, reinamos no inferno e agora retornamos ao céu para tomar o nosso trono de volta.
Eu tenho 48 anos, levo meus filhos no colo há muito tempo, estive presente nas suas maiores conquistas e nos seus fracassos também. Eu tenho pilares que sustentam suas emoções, seus gritos, suas bandeiras e suas cores! Eu adoeci, foi inesperado e ainda estou atordoado, mas vocês me seguraram, vocês me carregaram para cima e nas minhas paredes retumba o teu canto, que calou o inferno e mostrou ao mundo o que é ser colorado. Hoje nós retornamos para a elite, onde é o nosso lugar, assim como tu nunca me abandonou, sempre estarei de portas abertas para você, seus filhos e seus netos, o papai está de volta.
⁃ Gigante da Beira-Rio
Tenho 63 anos, eu conheci seu avô, fui amigo do seu pai e ainda vivi bons momento com você. Esse é um momento difícil para mim, estou velho, tenho cabelos brancos, talvez esteja até um pouco enrugado, mas a minha memória ainda é a mesma! Lembro de todas as glórias que buscamos juntos, lembro de ti cantando comigo, lembro de todas as taças levantadas em minha presença. Hoje não contribuo muita coisa, você se mudou e assim como um avô eu vivo sozinho, me sinto abandonado e muitos já não lembram mais de mim... Por isso hoje eu te desejo toda sorte do mundo e muitas outras taças, sei que és imortal, mas eu não sou. Por isso hoje, assim como Vargas, eu saio da vida para entrar para a história.
⁃ Olímpico Monumental
Texto inspirado no conto “Não me acorde” de Luís Fernando Veríssimo e na Carta-Testamento de Getúlio Vargas.
O passado é prólogo. Certos eventos consolidam essa frase, tudo que veio antes se torna uma história de superação, um prefácio. Você se da conta de que tudo que houve até ali, 500 anos de uma história foi simplesmente preparação para aquele certo momento. E o passado ganha uma lógica que não tinha. Você passa a entender tudo em retrospecto, tudo ganha um sentido. O golpe de 64, os anos de ferro, a distensão lenta, segura e gradual, as guerras, os impeachments, tudo é prólogo para o amanhã. Está claro, a própria fuga de Dom João para o Brasil fez parte da preparação. Tudo é armação para aumentar a nossa glória, tudo se encaixa, ou você acha que a chegada de Cabral foi obra do acaso? Tudo está sendo construído aos poucos, desde antes de 1500, antes das cruzadas, antes de Jesus.
Forças se articulam contra o povo, contra a liberdade, contra o progresso, não nos dão direito de defesa, sufocam a nossa voz, impedem nossas mãos. Seguimos o destino que nos é imposto, calados e estamos desamparados. Mas devemos ter força, dar nossa vida, não se deixe humilhar, precisamos reagir, mas ao ódio responderemos com perdão, a opressão responderemos com o nosso sangue em direção à glória.
Eu vi você na rua, estava cercado por ignorância, por corrupção, por desrespeito, pelo jeitinho... Eu não sei o seu nome, nem de onde você é ou o que faz, mas você continuava lá, firme e forte. Posso imaginar como tem sido sua vida, o martírio, as decepções, a desilusão. Muitos da sua geração se perderam, levaram pais e avós ao desespero. Não tiveram acesso à educação, não tiveram acesso à noticias, não tiveram como dar asas a mente, e acredite, são muitos!
Você não sabe, mas é um herói, e quando chegarmos ao topo, seremos certamente o povo mais dedicado, fiel, convicto e feliz do mundo, porque será o país dos que resistiram. Aguente só mais um pouco, meus respeitos.