Mateus Guilherme
Se tivesse mar, diria ter ouvido o barulho das ondas; do tipo que remexe, embrulha de emoção; abana, sacode. Se tivesse chuva, diria ter sentido respingos gélidos, feito sacudidelas pela minha face; ter acordado às brutas de um sonho matinal fora da manhã! E não há nada melhor do que viver a realidade! Se tivesse sabor, diria ter sentido o paladar requintado da vida; e, de tão dopante, eu haveria de vicejar! Mas lhe falta mar, acabou-se a chuva… Não há mais sabor… Acabou-se o amor.
“Olhe, Senhor, se fiquei penumbra, e como fiquei. Finalmente amanheceu em mim, a mim, agora! Assustei-me, confesso, com o irromper, fascinado com a luz que planava feito nova. Mas a destruição da penumbra é tão boa, afinal. Pego-me sorrindo aos cantos alheios, quando os cantos alheios vêm de dentro de mim. E às vezes não sinto mais que o meu braço toca-me num abraçar: já me veda uma nova textura, uma que por tempos permaneceu dormida, dormindo. A escuridão adormece os amores, afinal, Senhor. Mas o Sol veio, sim Senhor; e não que a Lua tenha partido, mas, agora, ela permanece na distância tão severa, tão severa quanto a que havia o Sol ficado de mim.”
“Sou a tortura do que não deu certo! Prendo-me de novo, arrasto-me, esfolo-me. Torturo-me.
Não houve.
Mas prendo-me mais uma vez…”
Revisto-me de amores, entulho-me de balelas, agarro-me a complicações e adito-me ao passado, sugerindo o começo do completo desatino chamado 'vida'.
Invejei o hiato. Estúpido, até ele tinha duas vogais juntas!
Ei, perguntei, cadê a minha vogal companheira?
Se me pego,
apenas te encontro.
Preenche-me, suspiro-te.
Fluido, abarcado por ti.
Teu brilho nos meus olhos.
Beijas-me, me percorre.
Sou teu jeito.
Todos os trejeitos.
Reproduzo-te.
Mas se choro, amor,
só choro. Choro só.
Sou só no choro.
Infeliz enganado,
abraçado no amor.
Certa vez, a menina entrou em metamorfose. E, da inconsciência infantil, nasceu agressões à mente fraca e ao coração que, constantemente, passou a apertar-se.
Certa vez, a menina triste arrancou a própria carne, transfigurando-se em uma idealização que ela nunca alcançaria! E, da inocência, fumegou-se o sofrimento trazido pelas lágrimas, agora, diárias.
Certa vez, a menina furou a candura com seus ossos agigantados. E, ao invés da lição, ah, a garota agarrou-se ao errado que, de uma forma incrível!, dava-lhe prazer.
Estranho como o amor machuca; esfola. Mas estranho como é bom senti-lo, imaginando teus beijos. Melados, pois gosto deles assim! Viscosos de ti.
Estranho como vicia a dor de saudade. Como incomoda, mas acompanha. Adocica; bem doce!
Estranho estar tão longe, mas encontrar-te toda noite. Linda, vívida, afável…
De quando em quando somos vela, Flor. Cera envolvente, barbante envolto; abraçados, nos fazendo em um. Dois, talvez, mas sempre como um só a queimar. Não. És vela, tu, no fato, acendendo-me, em cadeia, os tremeliques apaixonados. Iluminando o meu obsoleto ao qual a entrega se fez à escuridão. Negrume azedo, do coração, insistente em se perfazer; e refazer; fazer… Viu, és vela! Não! Sou vela, na verdade; ainda por cima. Adjudicado ao que tanto renego, romantismo futrica atual: desgastando-me, derretendo-me nas palavras de uma metáfora barata para a Flor. Preso, represo, me prendo; me incinero de, sobretudo, babas a ti, feito doce, lambidas sempre. Remonto-me; remontas-te a mim, depois de derretidos. Somos vela, então; Flor, de quando em quando, somos vela…
Enoja-me o olhar negro de pérola da Pérola abraçando-me as curvas de um coitado.
E recitando o seu falatório de vencedora.
Entristece-me o notar do fôlego da Pérola em seguir em frente.
E o da envoltura de rija casca, firme, que segura sua simplicidade.
Causa-me vertigens o meu derreter assim que recém separado.
E o tanto pensar amargo em ti. Pois revivo-te: penso, mesmo que em amargo!
Arrepia-me a minha fragilidade contraditória diante da Pérola.
Tão radiante, tão vívida, pisando em meus escombros.
Chora-me os músculos de ódio!
Invejo a força da Pérola; ó Pérola,
que, depois de massacrar, desdobra-se em flor:
unicamente para ganhar-me de novo e oferecer-me os espinhos para um notável suicídio.
Fecham os olhos esses seres humanos, Flor. Digo-te, relato-te, a miséria é sempre se angustiar com o que de mais revelado está! Vida, Flor. Essa vida trêmula há de consumir as carnes dos homens, pois a desconfiança é sempre uma decompositora. Decompõe as carnes, decompõe o amor. Olhe, de que adianta mais um punhado de revelações, um a mais, se as pessoas insistem em grudar as pestanas; fechar os olhos! De nada vale a visão a um cego martelado, obstinado e cônscio, Flor. Consciente da própria estupidez, mas que prefere pôr-lhe um sorriso. Flor, pois, te digo: distancio-me, cada vez mais, pois sou eloquente! Separo-me da ambiguidade humana, pois sou fato revelado. Esculpido, completo; visão privilegiada.