Mary Araújo
Tive um sonho.
Não existia relógio marcando o tempo, nós éramos o próprio tempo.
Um presente contínuo,
vivendo, querendo, fazendo.
Eu não me atrasei,
não corri desesperadamente,
a culpa não me afligiu.
Nada me faltava,
havia na medida certa afetos e ilusões para o momento.
Então por medo de me apressar e desandar os acontecimentos, eu fui ficando cada vez mais devagar.
Entrei em transe.
Estava tudo quieto.
Foi então que percebi que morri e acordei.
Quem, senão nós, poderá saber o que nos mata a fome?
Quem, senão nós, poderá saber o que vibra em mim e ressoa em ti?
Quem nos olha, não nos vê.
Somos incompreensíveis aos olhos de todos, eles não sabem da alegria que me toma o peito ao te ver sorrir, nem do zelo que naturalmente tenho por ti.
Não entendem cada confissão trocada em silêncio.
Não alcançam a dimensão do que somos, a parte incompleta que nos completa, que de ser tão imperfeita, não cabe em mais ninguém.
É nesse lugar nada perfeito, improvável no espaço e no tempo, que nos encontramos, para que escondidos dos julgadores possamos mergulhar no olhar um do outro e nos compreender.
Enlaçados num abraço que vibra num só corpo toda nossa verdade.
O meu amor não tem hora.
Chega na madrugada quente, quando desnudo o pescoço jogando os cabelos alhures.
Pela manhã, no momento em que o sol queima as partes mais escuras do corpo.
Vem quando seguro as maçanetas das portas,
quando os gatos dormem de barriga para cima,
quando o carro para no sinal vermelho e vejo os transeuntes.
Quando desando a chorar sem saber o porquê,
quando passo a página do livro.
Na praia, sei da sua presença, quando com a ponta da língua sinto o sal no meu ombro direito.
Ele chega, ele se vai.
Sei que me tens amor, mesmo que tu não saibas.
Sei porque quando me beijas, teus olhos entreabertos me transpassam com desejos de rasgar as carnes.
Sei porque te desesperas de vontades, quando ofegante te digo ao ouvido: sou sua.
Sei porque nossas línguas são todo nosso corpo dentro da boca, que dissolve de tanto querer.
Sei porque te inebrias com meu perfume e eu te convido a passear com tua língua carnuda por cada saliência e orifício meu.
Sei porque te apetece apertar minha cintura com força e saber que se molda às tuas mãos.
Sei porque quando me puxas pelo pescoço sinto teus lábios sedentos em busca dos meus.
Sei porque teus dedos rijos amoleceram cada parte do meu corpo com teu toque firme e suave.
Sei porque ainda sinto tuas mãos me fazendo delirar com teu toque em meus seios.
Sei porque tua língua desenhou meu corpo enquanto eu confessava, entre um gemido e outro: eu te amo.