Martyn Lloyd-Jones
(...)Como se argumenta no grandioso capítulo nove da Epístola aos Hebreus, há o fato de que o ensino geral de Moisés, com tudo mais que ele apresentou, foi tão-somente um expediente temporário. Bem, precisamos falar sobre isso com absoluta clareza. Era nestas coisas que os membros do Sinédrio se gloriavam, e eles estavam rejeitando Cristo. No entanto, examinem aquilo em que eles se apegavam! Vejam a lei. Uma parte de todo o problema deles era que não percebiam que a Lei não pode salvar ninguém. A Lei só nos pode dizer o que fazer; não pode dar-nos o poder que nos capacitaria a fazer o que ela diz. Por isso o apóstolo Paulo escreve aos romanos sobre "o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne..." (Romanos 8:3). Moisés se levantara diante do povo e praticamente dissera: "Cumpram estes mandamentos, e vocês serão salvos". A Lei deixa conosco: "Não matarás. Não adulterarás. Não cobiçarás". "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda o teu entendimento e de todas as tuas forças, e a teu próximo como a ti mesmo." Tudo ótimo, mas você pode fazer isso? A Lei diz: "Faze isto, e viverás". Mas ninguém pode fazer isso. Portanto, como já vimos, a Lei nos deixa condenados, sem esperança e desamparados, e nos diz que precisamos ser libertados.
Que é que coloca os homens e as mulheres em correta relação com Deus? Seria que eles têm vida moralmente boa? Seria que não fazem certas coisas que outros fazem e, em vez disso, lêem a Bíblia, oram e se empenham na prática de obras filantrópicas? E isso que os coloca em reta relação com Deus, obtém o perdão de Deus e lhes garante que estão indo para o céu? Acaso as pessoas se acertam com Deus tendo boa moral, sendo religiosas, cultivando o espírito de Cristo em seu ser? Seria esse o meio?
Ou será que as pessoas se tornam cristãs, obtêm o perdão dos seus pecados e encontram a salvação pela ação de uma igreja? Receberam elas o perdão e a nova vida em sua infância, quando um ministro aspergiu água sobre elas? Porventura as pessoas são salvas pelos sacramentos ou pelo ato de um sacerdócio que alega que tal ato tem esse poder?
Todas essas perguntas urgentes provêm justamente do problema aqui tratado. Por essa razão Estêvão e outros da Igreja Primitiva eram submetidos a julgamento. E a resposta definitiva é a seguinte: somos justificados pela fé somente; não por obras por nós praticadas, nem por obras de alguma igreja. "Creu Abraão em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça". É exatamente o que Estêvão está dizendo.
Mas será que nós entendemos bem o que significam as palavras "justificação pela fé somente"? Lembrem-se de que a sua alma e a sua salvação, o seu destino eterno, dependem do seu entendimento deste ponto. Esta é a verdadeira questão que constitui a linha divisória entre a religião e a verdadeira e viva fé cristã.
Você nunca terá paz verdadeira, enquanto sua mente não for satisfeita. Se você tem apenas alguma experiência emocional ou psicológica, isso poderá mantê-lo tranqüilo e dar-lhe repouso por algum tempo, porém, mais cedo ou mais tarde, surgirá algum problema, alguma situação o confrontará, alguma questão chegará à sua mente, talvez pela leitura de um livro ou numa conversação, e você não será capaz de responder, e assim irá perder a sua paz. Não haverá verdadeira paz com Deus enquanto a mente não tiver assimilado esta doutrina bendita e dela tiver tomado posse, tranqüilizando-se então.
Parar na justificação não é somente errado quanto ao pensamento; é impossível por esta razão: que é uma obra realizada por Cristo; é Ele que faz isto em nós. Ele Se entregou pela Igreja. Por que? Para poder santificar e purificar a Igreja. Ele é que vai fazer isso. Todo o problema surge do fato de que alguns persistem em considerar a santificação como uma coisa que compete a nós realizar. Isso jamais é ensinado em parte alguma das Escrituras. O ensino das Escrituras é o seguinte: Cristo pôs Seu coração e Seu afeto na Igreja. Lá estava ela, sob condenação, em seu pecado, em seus trapos e em sua baixeza! Ele veio, houve a encarnação, Ele tomou sobre Si a "semelhança da carne do pecado" (Romanos 8:3). Ele tomou os pecados dela sobre Si, e os suportou em Seu próprio corpo no madeiro. Ele sofreu o castigo, Ele morreu, Ele fez a expiação e nos reconciliou com Deus. Assim a Igreja está livre da condenação. Mas isso não O satisfaz. Ele quer que ela seja gloriosa, Ele quer apresentá-la "a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante''. Portanto, Ele começa imediatamente a prepará-la para esse destino. Não pode parar no primeiro passo; Ele vai adiante, para santificá-la. Noutras palavras, Sua morte na cruz por nós e por nossos pecados foi simplesmente o primeiro passo neste grande processo. E Ele não se detém no primeiro passo. Ele tem um propósito completo para a Igreja, e o vai cumprindo passo a passo.
Gostaria de expressar isto vigorosamente. Em última análise, eu e você não temos escolha nesta questão da santificação. É algo que Cristo realiza. Ele morreu por você, e depois, tendo morrido por você, Ele vai lavá-lo, santificá-lo, purificá-lo - e Ele mesmo fará isso. Que ninguém se engane sobre isto. Se Ele morreu por você, levará adiante o processo de santificação em você, e finalmente o tornará perfeito. Há algo de alarmante em torno disto; no entanto, é ensino bíblico essencial. Se eu e você não nos submetermos voluntariamente a este ensino, Ele tem outro meio de purificar-nos; e o usará - "Porque o Senhor corrige a quem ama, e açoita a qualquer que recebe por filho" (Hebreus 12:6). Ele não permitirá que você fique onde estava, em sua imundície e vileza, dizendo: "Está tudo bem comigo, Cristo morreu por mim, eu estou perdoado, sou cristão". Ele não aceitará isso! Ele o amou, você Lhe pertence; e Ele o tornará puro. Se você não vier voluntariamente, e do modo certo, Ele o colocará naquela academia de ginástica sobre a qual lemos em Hebreus.
Ele aparará as arestas, eliminará a imundície e a vileza; Ele lavará você. Isso pode acontecer por meio de uma enfermidade que Ele fará sobrevir a você. Estes pregadores da "cura divina" que dizem que Deus nunca envia doença, estão simplesmente negando as Escrituras. Como um dos Seus métodos, Ele castiga. As circuns¬tâncias que o cercam podem ser más, você pode perder o emprego, ou uma pessoa que lhe é cara pode morrer. Cristão! Uma vez que você Lhe pertence, uma vez que Cristo morreu por você, Ele o tornará perfeito. Lute contra Ele quanto quiser em sua estultícia, Ele o lançará por terra, Ele o purificará, Ele o aperfeiçoará. Esse é o ensino; é uma coisa que Ele realiza. A santificação não é determinada por mim e por você - "E a si mesmo se entregou por ela, para (a fim de) a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra". O primeiro princípio que devemos entender é que a santificação é primária e essencialmente uma coisa que o Senhor Jesus Cristo faz para nós. Ele tem os Seus meios para fazê-lo. Naturalmente, a santificação inclui obediência da nossa parte. Mas você não precisa colocar aí a sua ênfase principal. A decisão pela santificação não é nossa; É dEle. Foi tomada na eternidade, antes da fundação do mundo. É Sua atividade, Sua operação; e, tendo morrido por você, Ele o fará. Resista a Ele, e o risco será seu. Ele levará cada um dos filhos, que foram chamados, para aquela glória final e sempiterna. Como Hebreus o expressa, se Ele não tratar você deste modo, significará que você é um "bastardo", e não um filho legítimo (Hebreus 12:5-11).
Esse é, pois, o grande princípio que constitui a base deste ensino apostólico. Como Cristo o leva a efeito? Veja-se a resposta na palavra "santificar"; "como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, para a santificar". Esta palavra "santificar" é empregada de muitas maneiras na Bíblia, mas o seu sentido primário é, "ser separado" ou "separar"; "ser separado para Deus, para Sua posse peculiar e para Seu uso". Você verá em Êxodo 19, por exemplo, que o monte no qual Deus se encontrou com Moisés e lhe deu os Dez Mandamentos, foi "santificado" desse modo. É chamado "monte santo" porque foi separado. Não houve alteração na montanha, mas foi separada para os propósitos de Deus, para o uso de Deus, para ser possessão peculiar de Deus. Os vasos que eram usados no cerimonial do templo eram igualmente santificados ou separados. Não houve mudança material nos copos e nos pratos, todavia como deviam ser utilizados somente no templo e para o serviço de Deus, não podiam ser empregados no uso comum. Ser santificado significa ser separado para Deus e para o Seu uso e propósito especial, como Sua possessão peculiar. Portanto, somos um "povo para Sua possessão pessoal".
Se tão somente você reprime uma tentação ou o primeiro impulso de pecado no seu interior, provavelmente ele irá surgir com mais força ainda. Nesse aspecto eu concordo com a psicologia moderna. A repressão é sempre ruim. "Bem, o que você faz?", alguém pergunta. Eu respondo: "Quando sentir o primeiro impulso do pecado, repreenda-se e diga: "É claro que eu não tenho absolutamente nada que ver com isso". Desmascare a coisa e diga: "Isso é demoníaco e mesquinho, foi o que tirou o primeiro homem do paraíso". Expulse-o, olhe para ele, denuncie-o, odeie-o pelo que ele é; então na verdade você tratou dele. Você não deve, simplesmente empurrá-lo para baixo com espírito de medo, de uma maneira tímida. Coloque-o em cena, exponha-o, analise-o; e então o denuncie pelo que ele é até odiá-lo.
O que importa não é o que você e eu pensamos, é o que a Bíblia ensina. As pessoas têm suas próprias idéias sobre o que constitui um cristão. Vocês percebem isso quando discutem essas coisas com outras pessoas, e elas dizem: “O que eu afirmo é isto”. E devido eles o terem dito acham que isso deve ser verdadeiro. Contudo, certamente não há um padrão definitivo do que torna um homem em cristão, exceto na Bíblia. O que conhecemos do cristianismo fora da Bíblia? Que direito temos nós de afirmar: “Isso é o que eu penso que torna um homem em cristão”? Certamente, a Bíblia é nossa única regra e autoridade. Nada conhecemos de Jesus Cristo, à parte do que encontramos na Bíblia, e não temos qualquer direito de postular o que é a experiência cristã fora do ensino da Palavra de Deus. Aí, eu digo, está o único teste e o único padrão. Eu diria novamente com Lutero: “Não conheço outro Deus senão Jesus Cristo”. Nada conheço além do que encontro na Bíblia, e o que encontro nela é que eu estou passando por este mundo, que tenho de encontrar-me com Deus face a face, que há um único caminho pelo qual eu posso fazer isso sem medo, horror, estremecimento, alarme e destruição final, e isso é prestar uma pronta obediência ao que Deus me fala em Sua própria Palavra, crer em Seu Filho o Senhor Jesus Cristo, e entregar-me e toda a minha vida a Ele. Se faço isso, se reconheço meu pecado, se percebo minha necessidade de perdão e creio que tenho isso através de Cristo e Sua perfeita obra, se suplico e oro por esse novo nascimento e o recebo, então afirmo que certas coisas me acontecerão.
Não posso imaginar nada mais terrível para um homem do que viver uma longa vida neste mundo presumindo e imaginando que é um cristão, e então descobrir no temível dia do Juízo que ele nunca foi um cristão de verdade. Essas são as sérias palavras do próprio Senhor Jesus Cristo: “Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade” (Mateus 7:22,23). Para mim (e esse é o motivo pelo qual eu sou um pregador do evangelho) a coisa mais importante para um homem nesta vida e neste mundo é saber com segurança que ele é um cristão.
Quais são as conseqüências do arrependimento, da fé no Senhor Jesus Cristo e do novo nascimento? A primeira é a possessão do júbilo e da alegria. Observem como Davi colocou isso: “Faze-me”, ele disse no versículo 8, “ouvir júbilo e alegria; para que gozem os ossos que tu quebraste”. Mas ouçam novamente como ele coloca isso no versículo 12: “Torna a dar-me (restitui-me) a alegria da tua salvação”. Ele tinha conhecimento disso, contudo a havia perdido, e quer tê-la de volta. Afirmo que qualquer homem que tem sentido isso através da experiência da conversão, que nasceu de novo, é alguém que conhece esse júbilo e alegria. Ora, sejamos cuidadosos acerca disso. Há muito mal-entendimento a respeito desta questão de alegria cristã. É muito importante observar que a alegria da qual Davi fala aqui é uma alegria exclusiva, exatamente da mesma maneira que a Bíblia fala dela em toda parte. Ele não está falando sobre uma alegria e júbilo comuns; não está falando de algo temperamental. A alegria da qual ele fala é chamada “a alegria da tua salvação”. É uma alegria especial. Por essa razão me esforço para enfatizar isso. Sou muito inclinado a concordar que temperamentalmente nos diferenciamos tremendamente uns dos outros. Há algumas pessoas que parecem ter nascido com um temperamento mórbido, introspectivo, miserável e infeliz, e há outras pessoas que são naturalmente alegres, otimistas e simpáticas. Se fizermos uma análise da humanidade do ponto de vista psicológico, descobriremos que há todas as variações concebíveis, do tipo introspectivo, totalmente miserável, a esse outro tipo de pessoa que está sempre, como já falamos, jubiloso, feliz e alegre, independente do que esteja acontecendo. Com efeito, a Bíblia é bem ciente de tudo isso, é claro, mas sua grande mensagem para nós — e graças a Deus por isso! — é que a alegria da qual ela fala é totalmente independente de qualquer situação natural. E a alegria da salvação vindo de Deus que é oferecida, e não uma alegria natural qualquer. Isso é importante neste sentido: o ensino bíblico é que todo cristão deve possuir esta alegria, e embora você tenha nascido naturalmente mórbido, ainda pode desfrutar desta alegria específica.
A pergunta que eu faço é esta: conhecemos alguma coisa acerca desta alegria, satisfação e regozijo? Tenho estabelecido que isso é uma conseqüência inevitável da verdadeira experiência evangélica do novo nascimento. Mas, caso que alguém esteja triste sobre isso, deixem-me colocá-lo da seguinte forma, pois é meu desejo ser essencialmente prático: há certas coisas que tendem a se levantar entre as pessoas e a experiência desta alegria e satisfação. Permitam-me mencionar algumas. A primeira, evidentemente, é o pecado. Essa era a essência do problema de Davi. “Restitui-me”, disse Davi, “a alegria da tua salvação.” Por que ele a tinha perdido? Ele a tinha perdido porque era culpado de adultério, assassinato e as outras coisas que já foram mencionadas. Meu querido amigo, não há necessidade de argumentar a respeito disso. Infelizmente, todos nós sabemos algo disso por dolorosa experiência. Se pecamos, quebramos a comunhão e o contato com Deus, e isso sempre nos leva à miséria e tristeza. Sempre há condições vinculadas às bênçãos de Deus. Devemos amar a Deus; Deus nos chama a amá-lO. Sei de muitas pessoas que estão vivendo uma vida cristã miserável porque não se submetem a Deus. A coisa não funciona em direções opostas. Leiam a respeito do apóstolo Paulo novamente, e a maravilhosa alegria que ele conhecia. Leiam as biografias dos santos e de suas vibrantes experiências. Por que todos nós não temos isso? Não é que elas fossem pessoas especiais. Não, Paulo disse que ele era “o principal dos pecadores”. Como então ele conhecia tamanha alegria? A essência do segredo é que ele evitava o pecado, ele vivia a vida para a qual Deus em Cristo o chamara. O pecado sempre rouba a alegria. Sejamos cuidadosos quanto a isso.
Há muitas pessoas que querem ser cristãs, há muitas que dariam o mundo inteiro se tão-somente pudessem ter a alegria de que se lê na Bíblia e nas vidas dos santos. E, no entanto, elas dizem: “Você sabe, parece que nunca sou capaz de apreendê-la. Tenho orado por ela e a almejado. A coisa que eu mais quero é esta grande alegria, e ainda não a tenho; sempre está me iludindo”. Bem, às vezes a razão por isso não passa de pura ignorância ou falta de ensino a respeito do caminho e os meios da salvação. Sem perceber isso, essas pessoas estão ainda confiando em si mesmas e em seus próprios esforços. Elas não perceberam que o evangelho é algo simples, que temos que vir a Deus de mãos vazias, reconhecendo que nada podemos fazer, pois ele é um dom dado por Deus. Elas estão ainda tentando tornar a si mesmas cristãs, e enquanto fizerem isso, jamais conhecerão a alegria da salvação. Deixem-me explicá-lo mais uma vez. É simplesmente isto — e como é simples! Todos nós temos pecado contra Deus. Nunca poderemos livrar-nos da nossa culpabilidade, nunca poderemos remover a mancha. Meu passado permanece e eu não posso apagá-lo; eu falho no presente e falharei no futuro. Como então eu poderia encontrar-me com Deus e ser perdoado? Ah, a resposta para tudo isso é que eu posso recebê-lo como uma dádiva imediata, que tudo têm sido realizado em Cristo, que Cristo morreu pelo meu pecado, e devido Deus ter tratado com o pecado ali, Ele me oferece este dom gratuitamente. Aí está a essência desta questão. Não precisam esperar por coisa alguma: é um dom que tem que ser recebido, assim como você está e onde estiver neste momento.
Espero que ninguém esteja vivendo sem a alegria da salvação, pelo fato de não reconhecer que ela é dada gratuitamente por Deus a qualquer momento. Deus não pede que você faça alguma coisa. Ele pede que você a receba agora, que você creia em Sua palavra. Oh, que tragédia, o fato das pessoas estarem privando a si mesmas dessa alegria, por esse motivo!
Uma terceira razão que explica porque muitos não têm essa alegria da salvação é o simples fato que eles gastam tanto tempo olhando para si mesmos, em vez de olharem para o Senhor. Eles erguem para si mesmos um padrão de perfeição. Lembro-me do triste caso de um homem muito piedoso que eu conheci. Ele tinha duas filhas que eram excelentes mulheres. Ambas já tinham alcançado a meia-idade quando eu as conheci. Elas viviam, em certo sentido, para as coisas de Deus, e mesmo assim, nenhuma delas ainda havia se tornado membro de uma igreja cristã, ou mesmo participado da Ceia do Senhor. Com respeito às suas vidas e conduta, vocês certamente não poderiam conhecer pessoas melhores, contudo, elas nunca haviam se tornado membros de igreja e jamais participaram do pão e do vinho. Por quê? Elas diziam que não sentiam que eram boas o suficiente. Qual era o problema com elas? Elas estavam olhando para si mesmas em vez de olharem para a consumada e perfeita obra de Cristo. Vocês olham para si mesmos e, é claro, serão miseráveis, porque no íntimo há trevas e escuridão. O melhor santo quando olha para si mesmo se torna infeliz; ele vê coisas que não deveriam estar ali, e se nós gastarmos todo o nosso tempo olhando para nós mesmos, permaneceremos na miséria, e perderemos a alegria. Auto-avaliação é coisa boa, mas introspecção é ruim. Vamos mostrar a diferença entre essas duas coisas. Podemos examinar a nós mesmos à luz das Escrituras, e se fizermos isso, estaremos sendo conduzidos a Cristo. Mas com a introspecção, um homem olha para si mesmo e continua fazendo assim, e se recusa a ser feliz até que possa se livrar das imperfeições que ainda estão ali. Oh, como é trágico o fato de ficarmos gastando nossas vidas olhando para nós mesmos em vez de olharmos para Aquele que pode nos fazer livres!
Acaso não é uma coisa maravilhosa que essa alegria é totalmente possível para criaturas como nós? Não haveria algo quase ousado sobre esta oração de Davi? “Restitui-me a alegria da tua salvação”, disse o adúltero e assassino, o mentiroso, o homem que é responsável por tantos problemas — “restitui-me a alegria da tua salvação”. Como pode um homem como esse ainda ser feliz? Seria possível? Sou grato a Deus porque isso é possível, e é o motivo pelo qual prego este evangelho a vocês. Isso é a glória desta salvação maravilhosa. Ele pode dar essa alegria a um homem que tem descido tão fundo, e pode elevá-lo para as alturas da alegria e satisfação. E faz desta forma: ele pode tornar o pior pecador alegre e feliz pelo fato de dar-lhe uma certeza de perdão e absolvição. O único que pode dar perdão é Deus, e, graças a Deus, Ele o faz! E Deus não apenas perdoa, Ele pode fazer-me ciente de que tem me perdoado. Saber isso é perder aquela sensação miserável de culpa e frustração. Ninguém mais pode fazer isso, mas Deus pode. Então, embora eu tenha afundado na mais baixa profundeza do pecado e degradação, Ele pode fazer-me regozijar em Sua grande salvação. Por conseguinte, Ele me concede isso dando-me uma nova natureza e um senso de um novo início, um novo começo. Nenhum homem pode ser realmente feliz e satisfeito, se ele sente que vai gastar o resto de sua vida exatamente como era antes, porque ele argumenta da seguinte forma: “Eu estou arrependido pelo que fiz, mas sei que vou fazer a mesma coisa novamente. Oh, desventurado homem que eu sou, em que miserável existência eu me encontro!” Todavia aqui é uma oferta de uma nova natureza, um novo início, um novo começo. Esse é o evangelho de Jesus Cristo. Ele propõe nos criar de novo, fazer de nós novos homens com a natureza divina dentro de nós, e assim temos um novo começo de vida. Não apenas isso, mas isso por sua vez faz um homem sentir que libertação é realmente possível. “Eu preciso de Ti todas as horas,” diz o cristão. “Fiques Tu bem junto a mim.” Por quê? “Tentações perdem o seu poder, quando Tu estás por perto.” Eu começo a sentir que Ele está comigo; e Ele é mais poderoso que o maligno. Ele venceu o diabo e pode me capacitar a fazer o mesmo.
Outra maneira pela qual Ele me capacita a alegrar-me e regozijar-me é que o próprio Deus me capacita a esquecer minha miséria e desventura. Essa é uma das coisas mais maravilhosas de todas. Vejam vocês, aqui está um homem como Davi, e ele tem feito todas essas coisas. Ora, se um homem como esse começa a olhar para si mesmo, ele cairá nas profundezas do desespero; mas quando Deus nos faz olhar para Cristo, Ele nos faz olhar para Seu amor, compaixão e misericórdia. Ao fazermos isso, ficamos livres de nós mesmos, esquecemos de nós mesmos — é o único caminho que eu conheço para alguém esquecer de si mesmo. O caminho para ser feliz, conforme o evangelho, é olhar para o Senhor Jesus Cristo. Observem que o Filho de Deus desceu do céu para este mundo, a fim de morrer pelos nossos pecados. Vejam-nO, pela fé, lá na glória, olhando para vocês, desejando derramar Sua grande luz, poder e força sobre as suas vidas. E quando vocês refletirem sobre Seu amor e compaixão, esquecerão de si mesmos e do pecado, e começarão a regozijar-se e a louvar ao Senhor. Vocês terão a alegria de Sua grande salvação. Assim é que acontece. Porventura vocês conhecem a alegria da salvação vindo de Deus? Vocês sabem o que é regozijar-se no Senhor, ser contentes em Cristo?
A segunda característica do cristão é sempre esta: uma profunda desconfiança de si e uma dependência do poder de Deus. Ouçam a Davi. Ele já tinha dito: “Cria em mim um coração puro... e renova em mim um espírito reto”. A Versão Revisada coloca da seguinte maneira: “Renova um espírito stedfast (inabalável) dentro em mim”. Observem vocês que ele era consciente de sua própria impureza. Davi pôde muito bem ter sentido assim. Ele foi um homem que havia experimentado a bênção de Deus, e tinha conhecimento da alegria do Senhor; e mesmo assim tinha caído nesses terríveis pecados. Então ele clamou por essa renovação dentro dele e por esse espírito inabalável. Eu ouso dizer que todo cristão sabe o que isso significa. Um cristão não é um homem que confia em si mesmo. Ele é o único que reconhece sua própria debilidade. Precisa ser um cristão para ver a grande negritude do seu coração e a fragilidade de sua própria natureza. Há um tipo de cristão, eu lamento dizer, que se comporta como se pudesse fazer todas as coisas. Ele teve uma experiência de conversão, e agora está pronto para encarar o inferno, o diabo e qualquer coisa. Pobre sujeito, ele não irá muito longe antes de perder esse senso de confiança. “Aquele, pois, que pensa estar em pé,” disse o apóstolo Paulo a tais pessoas, “veja que não caia” (1 Coríntios 10:12). Não, o cristão é um homem que reconhece sua própria fragilidade, e ele teme isso. Então ele ora por um espírito estável, um espírito inabalável. Ele quer ser um homem invulnerável.
“Restitui-me a alegria da tua salvação; e sustém-me.” “Sustém-me — eu não posso sustentar a mim mesmo”, ele disse. “Sustenta-me, eu sou frágil e fraco, e o mundo é sombrio e pecaminoso. Estou cercado pela tentação, insinuações e sugestões de pecado. Tenho medo de cair; sustém-me Senhor.” Esse é o cristão — um homem que reconhece que se Deus não o sustentar, ele certamente cairá.
E a última coisa que ele expressa aqui é: “Restitui-me a alegria da tua salvação; e sustém-me”, diz a Versão Autorizada, “com teu espírito livre.” É convencionado que essa é uma tradução errada; é melhor desta forma : “sustém-me com um espírito voluntário”. Noutras palavras, ele está orando por isto: “Eu peço que Tu me enchas com um espírito voluntário, para que eu esteja sempre disposto a fazer o que Tu pedires de mim. Quero estar disposto para andar no caminho dos Teus mandamentos, então restitui-me essa alegria da Tua salvação e sustém-me com um espírito reto e voluntário”. E é claro que o cristão sabe que tudo isso só é possível de uma maneira — a maneira que Davi já havia expressado nas palavras: “Não me lances fora da tua presença, e não retires de mim o teu Espírito Santo”. Esse era o maior medo que ele tinha, que Deus, por causa do seu pecado, pudesse voltar as costas para ele. “Não faça isso”, clamou Davi; “não me lances da tua presença, não retires de mim o teu Espírito Santo.” Noutras palavras, o cristão reconhece que, como ele precisa de uma firmeza na vida, precisa de ser apoiado, precisa desse espírito voluntário, há uma única resposta, e essa resposta é o dom do Espírito Santo. E, graças a Deus, essa é a resposta do evangelho no Novo Testamento. Deus coloca Seu Espírito em nós; e o Espírito de Deus pode fazer-nos firmes, Ele pode nos sustentar, pode nos dar essa disposição, essa prontidão para andarmos no caminho dos mandamentos de Deus. A confiança do cristão nunca está nele mesmo; ela está no poder do Espírito Santo que Deus em Cristo, e através de Cristo, dá a ele.
Meu amigo, eu já disse, e afirmo novamente, a questão mais importante no mundo é simplesmente esta: você é um cristão? Você conhece algo dessa alegria? Você conhece algo dessa suprema confiança no poder do Espírito Santo? Você sente que tem alguma coisa que gostaria que outros também tivessem? Esses são alguns dos testes mais simples. Se você tem essa bênção, que Deus continue abençoando-o. Se não a possui, se sente que essas simples questões têm condenado você, e sente que realmente não é um cristão, então tudo que eu tenho a dizer é: vá e confesse isso a Deus. Não perca tempo. Diga a Ele que você tem enganado a si mesmo, que reconhece que não é um cristão. Diga a Ele que você quer ser cristão, peça a Ele que pelo Seu Espírito Santo ilumine você. É tão simples quanto isso — confesse seu pecado, reconheça sua transgressão e peça a Ele por esse perdão em Cristo; e você irá recebê-lo. Então agradeça a Deus, e vá falar a respeito dEle a outros que estão em trevas e na mesma miséria. Amém.
Já pensou se todas as suas ações durante o ano que passou fossem colocadas no papel? E se tivesse mantido um registro de todos os seus pensamentos e desejos, suas ambições e imaginações? Você permitiria que isso fosse publicado sob seu nome? O que você é hoje em comparação com o que foi no passado? Olhe para suas mãos — estão limpas? E os seus lábios — são puros? Olhe para seus pés — onde eles pisaram, que caminho percorreram? Olhe para si mesmo! É realmente você? E então olhe à sua volta, para a sua posição e os seu ambiente. Não fuja! Seja honesto! Do que você está se alimentando? Comida ou bolotas lançadas aos porcos? Em que você tem gastado seu dinheiro? Para que fins você usou dinheiro que talvez devesse ser usado para alimentar sua esposa e filhos, ou vesti-los? Do que você tem se alimentado? Olhe! É alimento próprio para ser humano? Avalie o que você gosta. Enfrente-o com calma. É algo digno de uma criatura criada por Deus, com inteligência e sabedoria? É coisa que pelo menos honra o ser humano — quanto mais a Deus? É alimento de porcos, ou é próprio para ser consumido por um ser humano? Não basta que você apenas lamente a sua sorte ou se sinta miserável. Como acabou em tal estado ou situação? Olhe para os porcos e as bolotas, e compreenda que é tudo devido você ter abandonado a casa do seu pai, agindo deliberadamente contra os ditames da sua própria consciência, deliberadamente zombando da religião e de todos os seus mandamentos e princípios; tudo é resultado exclusivo de suas próprias decisões. A situação em que se encontra hoje é conseqüência de suas próprias escolhas, e de sua próprias ações. Enfrente isso e admita-o. Esse é o primeiro passo essencial no caminho da volta.
Compreendam que todos os seus reforços vão falhar, como sempre falharam até aqui. Entendam que a melhora será meramente transitória e temporária. Parem de se enganar a si mesmos. Compreendam como é desesperada a sua situação. E compreendam que existe somente um poder que pode colocar suas vidas no caminho certo — o Poder do Deus Todo-poderoso. Você podem continuar confiando em si mesmos e nos outros, e se esforçando ao máximo. Mas daqui a um ano a sua situação não só será a mesma, e sim muito pior. Somente Deus pode salvá-los.
Como podemos ser felizes e livres em vista do nosso passado? Mesmo que não cometamos mais certas ações ou um certo pecado, o passado está presente e sempre temos diante de nós o que fizemos. Esse é o problema. Quem pode nos libertar do nosso passado? Quem pode apagar do livro da nossa vida aquilo que já fizemos? Há somente Um! E Ele pode fazê-lo! O mundo tenta me persuadir que não importa, que posso voltar as costas ao passado e esquecê-lo. Mas eu não posso esquecer — ele sempre me volta à lembrança. E me lança em miséria e desespero. Posso tentar de tudo, porém meu passado permanece um fato sólido, terrível, medonho. Há alguma forma de me livrar dele? Algum modo de apagá-lo? Há somente um que pode removê-lo dos meus ombros. Eu só posso ter certeza que meus farrapos e andrajos se foram quando os vejo na Pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que os tomou sobre Si e Se fez maldição em meu lugar. O Pai mandou que Ele tirasse de sobre mim os meus farrapos, e Ele o fez. Ele levou minha iniqüidade, e Se vestiu e cobriu com meu pecado. Ele o tirou, lançando-o no mar do esquecimento de Deus. E quando eu compreendo e creio que Deus em Cristo não só perdoou meu passado, mas também o esqueceu, quem sou eu para procurar por ele e tentar encontrá-lo? Minha única consolação, quando considero o passado, é lembrar que Deus o apagou. Ninguém mais podia fazer isso. Mas Ele o fez. E este é o primeiro passo essencial para um novo começo. O passado precisa ser apagado; e ele é apagado em Cristo e em Sua morte expiatória.
“Cria em mim um coração puro, ó Deus”. Amigo, você tem chegado a essa conclusão sobre si mesmo? Você tem visto todos os seus problemas e dificuldades procederem dessa causa central? Isso, eu afirmo, é algo que acontece a todo verdadeiro cristão. ”Eu nasci na iniqüidade; e em pecado me concebeu minha mãe.” O problema com o homem não é que ele faz certas coisas que não deveria fazer; é que ele sempre tem um coração propenso a fazê-las. São essas coisas dentro de nós que nos faz cobiçar; embora nossa consciência nos avise que não deveríamos fazê-las, ainda assim nós as fazemos. Essa é a maldição, esta coisa no coração. Precisamos de um coração limpo.
Você pode controlar suas ações até certo ponto, mas quando tenta purificar seu coração, eu lhe asseguro que quanto mais você tentar, mais negro ele ficará.
Leia sobre a vida dos santos e descubra como aqueles homens maravilhosos que tentaram purificar seus corações maus sempre descobriram uma impureza crescente, e no final descobriram que era totalmente inútil. Foi por isso que Davi clamou com estas palavras: “Cria em mim” — somente Deus pode me dar um coração puro, somente Deus pode me dar uma nova natureza. “Minha única esperança”, disse Davi, “é que Ele que criou o mundo do nada e fez o homem do pó da terra e soprou nele o fôlego de vida, criará dentro em mim um coração puro e me dará uma nova natureza.” Esse é o brado do Velho Testamento. Davi viu isso em sua essência, viu que aquilo era sua fundamental necessidade. E a necessidade fundamental de todo homem é uma operação de Deus no centro da vida. Oh, você sabe, meu amigo, que essa é a verdadeira essência do evangelho do Novo Testamento e sua maravilhosa mensagem? Por que o Senhor Jesus Cristo veio a este mundo? Por que Ele viveu, e morreu aquela morte de cruz e ressuscitou? Para que aconteceu tudo aquilo? Porventura foi só para que você e eu pudéssemos ser perdoados e continuássemos no pecado, e então nos arrependêssemos — tendo passado do pecado para o arrependimento e do arrependimento para o pecado — e finalmente pudéssemos ir para o céu, sendo poupados da punição do inferno e suas terríveis conseqüências? Esse é um pensamento blasfemo! Ele fez tudo isso, como Paulo escreveu a Tito, para que ele pudesse “...purificar para si mesmo um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tito 2:14).
“Cria em mim um coração puro, ó Deus.” Qualquer homem, eu afirmo, que fizer essa oração com sinceridade será sempre atendido. “Vocês precisam nascer do novo”, disse Jesus Cristo; e um homem que reconhece isso e submete-se a Cristo é nascido de novo. Ele tem uma nova vida, a vida de Deus nele; a questão central é ser purificado por Deus, e esse homem encontra dentro de si mesmo uma nova perspectiva, um novo poder, uma nova esperança, uma nova pessoa.