Marisa Martins in Remoinho de Emoções
(...) Lembrei-me daquelas mãos quentes, delicadas e atentas, inclinadas sobre as minhas mãos. Do toque daquela pele. Aquele toque tão agradável e demorado sobre mim.
Sempre que me toca é como se todos os meus sentidos ficassem embriagados. E lá estou eu envolvida numa espécie de volúpia e luxúria. E lá estou eu com o ritmo cardíaco em aceleração constante.
Voltei a lembrar-me, desta vez das minhas mãos em estado de desejo absoluto em busca do contacto com aquela pele. A exuberância ansiosa e impaciente que sustentam todos os nossos momentos. A urgência excessiva de nos sentirmos, sem pensarmos em absolutamente mais nada.
Um corpo de encontro ao meu, destilado, consumido, arrebatado, a querer-me toda, tudo de mim…consumir-me toda.
Não me lembrei só hoje. Mas hoje foi diferente. Este silêncio tão único imobilizou-me, mas não me assombrou, muito pelo contrário…na verdade fez-me bem fechar os olhos e voltar a sentir os sentidos como que embriagados. (...)
Numa separação o pior é o que está cá dentro, na alma, no coração e não nos bens materiais que foram e podem ser sempre negociados. Agora o nosso interior e aquilo que nós sentimos jamais se negoceiam, e é sempre o pior de gerir.
Hoje é um dia como qualquer outro para muitas pessoas…mas para mim, é mais um daqueles dias onde a expectativa se converte num desalento e desconforto incontrolável.
É muito desconfortante para mim não ter os meus sentimentos, e pior do que isso as minhas acções sob controlo. O tempo passa e desaparece. Tento alcançar o mundo lá fora pela janela, e vejo mais uma frincha neste sentimento. O dia brilha e faz-me acreditar, mas entretanto irá dar espaço à noite, que talvez me faça perder qualquer expectativa. Porque passou mais um dia, e mais outro, e hoje foi mais um.
Sinto-me tal e qual o tempo. Desordenada, confusa, estranha, esquisita, irregular e algo desencaixada… no tempo e no espaço. Sinto-me arrastada por esse mesmo tempo, aliciada por figuras e personagens das quais não quero falar. Induzida e atraída pelas circunstâncias. Acendo mais um dos muitos cigarros que já fumei hoje, levo a minha mão à cabeça impacientemente. Será que tu sabes desta minha impaciência?
Não sei a duração ou o prazo desta ansiedade… Não sei por quanto tempo viverei neste estado de hesitação. Não sei o que fazer comigo, nem sei se saberei ser de outra forma. Não sei o que fazer contigo, nem sei como lidar com a falta que me fazes...
Remoinho de sentimentos...
Cá dentro vive um remoinho de sentimentos que só eu domino e sei amansar ou pacificar. Muitas vezes não é fácil, daí as frequentes lágrimas que deslizam sem pedir sequer autorização. As lágrimas são nada mais do que um dos espelhos da nossa alma.
E confesso, por vezes o reflexo da minha alma imobiliza-me. Deixa-me estática e indignada com a minha falta de capacidade em controlar certas emoções, sentimentos e até posturas adoptadas por mim própria.
Conheço-me bem e sei que o meu coração pouco ou nada deixa ao acaso. Daí certas atitudes. Há quem diga que o meu coração é um centro de paixões. E deve ser por isso que recordo e revivo factos que preferia esquecer. Deve ser por isso que ainda encontro dentro de mim recordações escondidas.
Há coisas que nunca se repetem, mas que moram afundadas dentro de nós.
Não existe fase mais dramática e aflitiva, mas ao mesmo tempo mais libertadora do que matar uma soma gigantesca de pormenores para iniciar uma nova fase.
Sou eu a despedaçar-me muitas vezes, a estilhaçar sentimentos, a espatifar o coração e a dividi-lo cada vez mais. São pensamentos apinhados na garganta. É a voz que me falha na hora de os verbalizar. Sou eu a chorar até que as próprias lágrimas se cansem de fazer o seu trajecto. A rever todos os aborrecimentos empilhados em mim. O sentir o anoitecer gelado, a escutar a cólera sentida pela ausência desta ou daquela pessoa, ou experimentar a comparência assídua e repetida das saudades. Sou eu a analisar todas as banalidades e bagatelas que por vezes me entretêm o pensamento e acabam por ocupar parte dos meus dias. A auscultar a minha consciência, a agradecer a quem devo e a culpar quem o merece. A redobrar cabeçadas e tropeções naturais de quem ainda vive de cegueiras e fantasias. A punir-me pelas máculas e cicatrizes que se vão aglomerando em mim, porque ainda me esqueço de usar o escudo de protecção e de salvaguardar-me de certas situações. Sou eu a retalhar emoções, a dilacerar distúrbios e a rasgar a alma.
E sabes quando é que tudo começa a ter sentido?
Quando me lembro que para começar de novo... preciso de mim inteira.
Sou feita de oscilações de comportamento. Balanço com frequência. Sou de um enorme optimismo, e demasiado sonhadora. Carrego comigo alguns defeitos. São muitos aliás. Mas digam-me lá qual é o ser humano que não falha, que não tem uma ou várias manchas na sua vida. Não acredito que exista um único ser que seja imune a máculas, fraquezas ou vícios.
Fui treinada e exercitada desde que nasci as várias formas de ser simpática, agradável e acima de tudo educada, mas ninguém me ensinou a viver na rotina, quanto mais a sobreviver a ela.
Já não quero saber o porquê das atitudes que me magoaram. Isso é problema das pessoas que as tiveram. Faz-me feliz saber que ganho sempre mais do que aquilo que perco em ser como sou. E sabes o que vou fazer? Soltar as amarras que me têm mantido prisioneira de mim própria e voar. Porque voar é o meu lema.
(...) Estou demasiado embriagada de sentimentos e ao mesmo tempo num completo momento de lucidez, e nestas alturas sei que me faz bem optar não me partilhar com ninguém. Ignoro as variadas investidas para me tirarem de casa e até desligo os meus inseparáveis telemóveis. Conheço bem as minhas tentações, e sei que nestes meus momentos sou facilmente tentada, na maior parte das vezes até sou eu que me deixo tentar…e deixo-me ir ao sabor das tentações, umas vezes com a máscara, outras vezes nem preciso dela, porque essas tentações fazem-me sentir bem, gosto do seu sabor e não o posso negar. Fujo das tentações e mantenho-me neste momento de lucidez e transparência para comigo mesma, onde a única coisa que me embriaga e me faz sentir atordoada é aquilo que sinto. Fujo das tentações, mas não dos meus sentimentos. (...)
(...)Arrumo esta máscara a um canto. Hoje renuncio a tudo. Entrego-me a mim, desisto e deixo de fingir que estou bem. Cedo às lágrimas que querem cair e ando a tentar travar. Desisto, suspendo esta máscara por esta noite e arrumo-a a um canto. Olho para ela, e até ela me diz que esta noite prefere ficar arrumada a um canto. Então consinto a mim mesma que a água salgada acumulada há dias me banhe o rosto. Abstraio-me de tudo. Hoje autorizo que a dor fique aqui. Talvez precise dela para crescer mais um pouco, ou me elevar e reconstruir ainda mais. (...)
Sinto-me apta para trancar um ciclo, apta para banir os pavorosos pensamentos que muitas vezes me atacam. Não posso autorizar, nem consentir que a minha postura seja dobrada ou abatida pelas ciladas da minha existência.
Sinto-me uma espécie de bolsa a rebentar de palavras e opiniões intercaladas. Ao mesmo tempo sinto-me várias pessoas que coordenam e organizam essas palavras num formato desigual. Não me imagino a estancar essas palavras numa parte qualquer do meu pensamento e abandona-las por lá. Sinto os meus valiosíssimos neurónios a agitarem-se em movimentos compulsivos e destrambelhados uns contra os outros.
Definitivamente têm toda a razão quando dizem que mais pareço uma cisterna de emoções. Não sei disfarçar o que sinto. Não sei mesmo, em nenhuma situação. Dizem que eu tenho o coração muito perto da boca. Dizem e dizem bem. Penso e quando dou por mim os meus pensamentos já ganharam vida (...)
Estive a pensar nos precipícios que se abriram à tua frente, nas dezenas de obstáculos que se ergueram perante ti, nas centenas de vezes que perdeste o controlo dos teus sentimentos. E reparei que soubeste sempre quando não podias dar mais um passo pois esse passo significaria a queda do precipício. Contornaste os obstáculos como te foi possível e mesmo com os sentidos débeis e fracos nunca deixaste de acreditar nos teus ideais. Essa é uma característica de peso, ainda mais quando estamos a falar de uma pessoa tão desequilibrada como tu.
Como o bálsamo depois da inflamação
Inesperadamente, sou atacada por uma sensação súbita e repentina. Podemos chamar-lhe talvez, arrevesado e confuso sentimento de alívio. Como se deixasse finalmente o meu coração repousar, como se eu própria lhe tivesse oferecido um bálsamo depois de tanta inflamação. Agora tenho absoluta certeza de que estás certa quando me tentas mostrar que, sim, existem feridas e contusões em que somos quase obrigadas a deixar que as mesmas inflamem durante alguns instantes, para que então possam ficar totalmente sanadas.