Mário Massari
Os ventos gélidos e inesperados
descendo pelas arestas da
embargada palavra
povoam de nostálgico inverno
a primavera recém-chegada.
Do oculto traço que o sol
Dispara
Surge o arco refletindo
Gotículas
Seriam da chuva as cores
Filtradas
Ou das pueris lágrimas do
Pianista
Executando escalas sucessivas?
Ao final das contas quem propaga
e respira volubilidade:
quem despreocupado desdenha
ou quem frauda a impoluta verdade?
BREVIDADE
Guarda a ambição no inventário
que a caminhada é um piscar de olhos
qual íris na tempestade.
MOMENTO
O dia sugere-me repouso
Abro um livro qualquer
Escancaro o jardim.
Sutilmente
A paz adormece em mim.
A VOZ
Como explicar ao Dono
que numa perspicaz cilada
devolveram-lhe uma voz
mutilada?
Procura-se uma voz
em eco disfarçada!
A PÁGINA EM BRANCO
A página em branco
aprisiona o poeta
pena que paga
por abrigar palavras
que a pena exangue
ao final desperta.
ESTIO
Um fio d'água
Na face de mármore.
E, afinal, a desertificação.
Quem drenou o pântano
Dessa alagada ilusão?
O POEMA QUE NÃO FIZ
O poema que não fiz
Me angustia
É dor que não digeri
Solidão rompendo trilhas...
DERRADEIRA LIÇÃO DO NÃO ESQUECIMENTO
Sempre haverá
um lugar à mesa
e uma melodia brincando
nos telhados da saudade.