Marina Lodi

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⁠Não há feito que sobreviva à solidão da passagem do tempo. No longo prazo, todos os nossos acertos são pífios e não há maquiagem que dissimule o óbvio:nunca seremos nada. Buscar a realização pessoal baseada no outro é um dos indícios de que a esquizofrenia pode ser coletiva.
Estava calculando jogada no sofá: o quão danoso seria parar de fingir que comprei a estupidez da realização pessoal pela óptica de terceiros a fim de me dedicar a questões, que a mim, soam mais prementes? O que pode, inclusive, perpassar por me dedicar a questão nenhuma, se eu quiser.

Concluo que o covarde merece toda a desgraça que o acontece; inclusive a de desperdiçar a própria vida, como praxe, esporte e falta de criatividade.

Dos humanos: tiram-me o sossego e lentamente acorrentam-me. Ao me verem atada, abanam a mão em despedida e rumam.
Rumino eu.

⁠⁠Deus me fez bela e pobre para que eu pudesse assistir à minha lenta degradação física de mãos atadas a fim de fortalecer minhas qualidades morais.

⁠⁠Insatisfeitos com a baixa procura de luvas, um grupo de empresários decidiu contratar artistas para que, de agora em diante, só andassem de quatro apoios.
Os primeiros a aderir foram os adolescentes e todos passaram também a andar de quatro apoios. Depois, gradativamente a medida que a prática ganhava volume e bom apelo da crítica, foi a vez dos homens e mulheres muito copiosos dos outros e perdidos de si.
Preocupados em garantir que os demais fizessem o mesmo, os empresários trataram de procurar especialistas. Estes afirmaram: "os adolescentes enfim têm razão! Andar de quatro apoios não só previne problemas circulatórios como reduz o desgaste ósseo dos membros inferiores e, vejam vocês, auxilia na cognição graças ao maior aporte sanguíneo para o cérebro". A única precaução a ser tomada diz respeito ao imprescindível uso de luvas para proteger as mãos.
Não satisfeitos, os empresários foram também falar ao prefeito que a época já ensaiava o novo andar e, diziam, que também mugia em segredo. Em pouco tempo as crianças aprendiam a andar de quatro apoios nas escolas e nos Egrégios Tribunais era indecoroso caminhar de outra forma.
Aos poucos, os bípedes que restaram eram cabeceados às cadeias e hospícios.
Viveram assim até o dia em que a cidade foi varrida no mesmo evento geológico que apagou Macondo. Não obstante, ainda hoje se encontram quadrúpedes nas ruas.

Madrugada de 30 de dezembro, 2022

⁠Ontem tecia para ele que sentia que o conhecia de outras vidas - sem que eu mesma acreditasse na minha própria teoria. Pilantragem misturada à romance barato. Assumo minha mediocridade, e a assumo já sem tanta vontade de esmurrar a cabeça numa porta alheia ao lado do Satélite. Fiz isso hoje por graça, e se ele riu está tudo certo.

Hoje um outro ele me disse o mesmo.
Bom, ou os peixes fora d'água convergem em teoria, ainda que não necessariamente acreditem nela (e vai lá saber o que diabos são os tais "peixes fora d'água") ou as também tais "outras vidas" são excelentes para nos livrar do tédio desta.

A pergunta que não quer calar é: vivi ontem de maneira mais tesuda que vivo hoje?

31/03/2024. Ouro Preto.

Se você consegue fazer os outros rirem genuinamente das tuas atrocidades, tudo lhe é permitido ⁠

⁠A realidade é vício no modo de pensar imposto pela maioria.
Percebi isso aos 14 e me lembro que aos 15 embarquei na busca pela realidade pura. À época não percebi que, nos dias de orfandade, incontáveis foram as vezes em que as minhas distorções da realidade, como uma mãe, me ninaram.
Crescer é exercício de aprender a enfrentar o desamparo à espreita. Até lá, minha mãe ainda é minha mãe, e meus vícios têm deserpróprios.

14/05/23

⁠No longo prazo todos os nosso acertos são pífios e nunca seremos nada.
Só sabemos da existência de um Napoleão, dos filósofos gregos ou imperadores romanos porque, à época, o capitalismo ainda engatinhava para só então montar em alguém, e não havia a internet.
Com a internet, Dostoievski jamais terminaria um "Crime e Castigo"; que se transformaria, no máximo, para desencargo de consciência típico de gente excessivamente autocentrada, em uma crônica vulgar.
Pior: a apatia seria tamanha que ele não daria sequer motivo para ser fuzilado.
(Ao especular sobre Dostoievski, sei em quem acerto o escarro).

⁠Deus ainda está vivo, e em breve será definitivamente alçado a patrono da prosperidade financeira; mas Nietzsche está prostrado na morte e, se fizéssemos o exercício de olhar ao redor, perceberíamos que sua reencarnação é cada vez mais improvável. Os demônios que valem a pena devorar, como faziam os nossos bons índios antropofágicos, são aqueles preparados em cocção, por anos a fio, em fogo lento. E ninguém tem tempo, obstinação ou tesão para isso.

Não existe carma sem memória. Transcenderemos, todos, samsara.

8-5-23

⁠O suicídio antes dos 25 não passa de um frisson sem personalidade, depois dos 26 é um atestado de falta de criatividade.
Ambos me desagradam. Deixem que partam.

⁠⁠Não é a falta de coragem que impede o depressivo de galgar uma vida fora do abismo, mas a falta de tesões sólidas para se prestarem como ponto de apoio para a escalada.

Fincada na areia eu patinava o mar que serpenteava a areia que era fincada por mim e se abraçava entre meus dedos dos pés. Andava rumo ao norte e estendia a vista à direita⁠ enquanto um ou outro peixe pululava entre as quebras das ondas.
E cruzava eu a areia, o mar, o peixe e um ou outro pescador que lançava a rede ao mar, água até à virilha salgada, ou lançava sua vara, fincado à areia -"Boa noite" -"O que se pesca aqui?".
Olhava acima, pipas serpenteavam o céu que devorava o mar que serpenteava a areia. Não eram pipas, mas morcegos presos à linhas seguradas por crianças que corriam e riam esgoeladamente.
A lua cheia banhava a todos, impassível por ter visto tudo. Vez em quando, o farol amarelo de um avião iniciava sua procura no mar até que suas várias agulhas me encontrassem. Pescadora eu, as cravava em meus olhos e o arrastava mar afora até que pousasse em minha nuca.
Me despedia, sem querer ir, mas sem ter mais o que percorrer, fechando os olhos e erguendo queixo acima. Meia volta: -"Boa noite" -"O que se pesca aqui?".

4 de fevereiro, 2023. Praia em Vitória

⁠Tinha onze anos quando passava em frente a uma loja de consertos gerais. Galpão à frente e quem estendia a vista achava prateleiras empoeiradas com quinquilharias disputando espaço. À direita haviam eles: três periquitos amarelos de bochechinhas vermelhas.
De segunda a sexta me pareciam tão felizes quando possível, já aos finais de semana, quando o dono estúpido os deixava naquele cubículo sem janelas, arrulhavam incessantemente.

Pensava eu que deveriam ter vivenciado aquela escuridão diversas vezes, mas, pela ferocidade com que piavam, sempre se esqueciam de modo com que jamais poderiam se acostumar com a aparente novidade.
À época não consegui cogitar castigo mais cruel e muito sofisticado, já que foi forjado de maneira não intencional; disse que o dono da loja me parecia um completo obtuso, então não se pode culpá-lo. Atribuí o responsável pelo castigo como sendo Deus que, ou era um sacana ou um irresponsável que vê o erro de sua cria e não a corrige; mesmo que o erro cause grande dor a outro. Haveriam mesmo favoritos?
Não dormi a noite.

Mas eu via que o que fechava a loja era um cadeado e sabia que uma chave estrela, como a que minha família tinha, quando engatada corretamente no cadeado cria um efeito alavanca que o quebra.
Domingo esperei que o mundo dormisse e saí.
O vento vindo da Serra do Curral era fresco e a lua cheia, tão insone quanto eu, me acompanhava quieta e impassível, dessensibilizada pelo tédio de quem já viu tudo.
Alcancei a loja e o silêncio era sepulcral quando meti o pé na alavanca improvisada e o cadeado caiu no chão de lajotas vermelhas. Abri uma fresta. Tomei para mim os periquitos que há pouco dormiam na gaiolinha.

Em casa os escondi no jardim da melhor forma que pude. Na segunda feira, quando ficava sob os cuidados da faxineira e da televisão, os retirei.
Me olhavam com uns olhos lindos, puros e infantis. Não piavam, apenas me encaravam curiosos.
Meti rápido a mão na portinhola para libertá-los. Esta era a minha mais honesta intenção, pois não se podia contar com o bom senso dos adultos nem de Deus e aquilo me afligia profundamente. Antes, olhei mais uma vez para aqueles olhinhos tão puros.
A impotência que vi me deu ódio. A incapacidade de lutarem por si me causou profundo desprezo. De maxilares tensos, contei dez segundos, lentamente, na esperança de que piassem para que o som desfizesse minha ira, mas o silêncio era ensurdecedor "burros!", "incompetentes!" Compreendi que salvei-os porque a aventura me apetece, não por bondade.
Os prendi em um armário escuro e os deixei. A sumária traição, a maldade deliciosa e irracional, além do esvair das esperanças tão dadas como certas dos periquitos, caso pudessem compreender o que se passava, pintaram-me um enorme sorriso. Naquele momento não compreendi Deus, mas ao menos a humanidade.
Dias depois, foram encontrados mortos.


Madrugada de oito de junho, finalizado dia 30 de dezembro de 2022

21/06/20

Lembro-me da sala de estar. E do desconforto a cada vez que ela passava com seu passo desajeitado, seus suspiros e uma característica interjeição curta de desagrado "tsc" que lhe vinha à boca, que eu imaginava estar cheia de saliva, e me acertava a cara. Aquele "tsc", de tanto babar nojentamente no meu ouvido, me fazia sentir desconfortável entre as pernas.

Sempre ia e vinha com lençóis, as vezes meus, fronhas, vassouras.

Eu já não mais ensaiava ajuda ou mesmo autonomia Napoleônica a ponto de entronar-me rainha de um copo sujo, mesmo que seja eu quem tenha usado.
Não. Ela arrancaria violentamente o copo de mim e diria para que eu cuidasse das minhas mãos para que não se acabassem como as dela.
Quando descobria mais tarde um feito meu, desaprovava a técnica.
E como gostava de passar na minha frente cheia de muxoxos e pés arrastados.
Parava em frente a mim, sem me olhar, e ficava dobrando e desdobrando lençóis, cheia de interjeições. Se alguém estivesse em outra sala pouco ouviria, mas eu era violada e não podia gritar.
Nessa época já me fantasiava sendo uma parede, um abajour, uma mobília qualquer.
Vez em quando me oferecia um suco, alguns biscoitos, que eu negava ("tsc"). Também mal almoçava ou jantava (suspiro). Em contrapartida, tomava 3 banhos ao dia para não sujar roupa alguma.
Eu a odiava mas disfarçava até o limite das minhas forças porque ela sempre me dizia o quanto me amava.
A matei em um domingo ensolarado enquanto ela dependurava minha calcinha branca bordada de margaridas. Gostaria de pensar ao menos de que consegui limpar a mancha de sangue na varanda com destreza, mas não. Deixei o chão imundo e os panos, antes alvíssimos, manchados espalhados pelo chão. Fugi de casa.
Hoje faço a vida como lavadeira, agora também cheia de interjeições, muxoxos e mãos corroídas de sabão

⁠⁠Entrei no olho do furação e lutei contra ele com fúria e prazer, ainda que tenha me rasgado inteira; levaram anos para que pudesse finalmente admitir para mim mesma que o que me motivou a isto foram os outros. Enquanto lutava, imaginava-me coberta com os olhares dos outros que eram todos distinção pelo meu heroísmo.
Quando retornei, achei que me olhariam com as tais distinções. Ninguém viu.
Achei que teria um lugar para repousar. Dormi no descampado.
Achei que sentiria o peso de uma mão amiga no meu ombro. Só há o vazio em meu peito.

Madrugada de 30 de dezembro, 2022.

⁠⁠⁠Hoje um colega de longa data se matou. Outro. Encheu a fuça de remédios, mas decidiu finalizar o ato se enforcando no quarto. Tinha pressa?
É inevitável o questionamento: o que inspira maior honestidade pessoal? Ele de ter caído fora ou os que, uma vez cessada toda curiosidade para tecer propósito, insistem em permanecer por aparentes medo, apego ao hábito e mero automatismo?
Não importa. Escarafunchar muito essa questão leva tempo e nos dias de hoje temos pressa, mas suspeito que a resposta inflacionaria o preço das cordas.

Quero me candidatar a um cargo no inferno: esmurrar homens que em vida não sabiam foder.⁠

Teço tu, mas não me comprometo.
Irresistível na sua singularidade. Irrestível.
Sem que eu saboreie o suor da sua mente ou do teu corpo... e a vida passa.

E outros chegam e não me compram, desgraçadamente.
Enquanto isto te teço com zelo, mas mui discretamente.

Quando um dia te ver despir-se displicentemente (as pessoas se despem o tempo todo. É o que elas fazem. Seja no motel, buteco ou banco das decadentes Universidades) é capaz que não te reconheça. ⁠

Mas, por você, desço do meu pedestalzinho de pessimismo cômodo:
E se você for melhor que meus melhores tecidos?

Será meu eternamente.

⁠⁠⁠No silêncio que precede o estrondo, há quem fure os próprios tímpanos.
Os fatalmente entediados não admitem perturbações que não o ruído seco das pás com que, diligentemente, cavam as próprias covas; e caso olhássemos nos olhos dessa gente, veríamos estampada a fronte melancólica da covardia.

⁠⁠Vladimir Putin descortinou: máximo cuidado com os simpáticos e diplomatas, incapazes de cometer uma indelicadeza, mas perfeitamente capazes de suprimir uma verdade ululante em prol da "harmonia das relações".
Aos que buscam bons conselhos: cerquem-se de gente capaz de atingir os mais altos níveis de sinceridade sem qualquer resquício de hesitação.
Aos sinceros: aprendam a trair o que fala ao coração e a mente em prol da "harmonia das relações". O traço dos senhores rabisca um caminho que não vale a pena ser percorrido.

⁠Balancete do Carnaval de 2023: sorte no azar, azar na sorte

Constatei, com comicidade travestida de pesar, que a rola daquele mendigo que se masturbava no ponto de ônibus (lembra?) parecia ergonomicamente mais tesuda que as dos moços vindos de famílias financeiramente mais bem estruturadas de Vitória que eu consegui arrebanhar.
Ainda que eu seja dada à arroubos de violência estética, minha sorte é ter introjetada a verdade de que meu melhor amante reside mesmo é na gaveta de calcinhas.
Pensando alto, talvez um dia desses acorde cedo para ver meus faxineiros em ação.

22/2/23. No quarto, mas com o nariz fora da gaveta de calcinhas.

⁠Carnaval merece uma verdade obscena: constatei que a noite os pontos de ônibus se transformam em camas para os mendigos e, inconvenientemente, os mendigos também sentem tesão. Calma! Sejamos frios e racionais, afinal não temos um João Dória para dar ração e, quiçá, castração pra essa tchurma: é prudente fingir que não sabemos de nada enquanto as titias de sainhas jeans e os vovôs de calças frouxas que acordam cedo fazem as vezes de faxineiros urbanos sem receber tostão por isso. Antes das 8h eu não acordo e até às 9h me reviro na cama.

17 para 18 de fevereiro, 23. Ponto de ônibus da Proeng Hall

⁠No colo de quem os sacanas repousam suas cabeças?

A condição humana se traduz na dissimulação da realidade ⁠e ânsia de materializar a fantasia.

⁠Fon-fon-fon-fon-fon-fon
"eucoí"

Fon-fon-fon-fon-fon-fon
"éobicoli"

Fon-fon-fon-fon-fon-fon
"éopiucoli"

Fon-fon-fon-fon-fon-fon
"éupicoli"

Fon-fon-fon-fon-fon-fon
"é o picolé"

Fon-fon-fon-fon-fon-fon
"é o picolé"

Fon-fon-fon-fon-fon-fon
"é o picolé"

Fon-fon-fon-fon-fon-fon
"éopiucoli"

Fon-fon-fon-fon-fon
"éopiucoli"

Fon-fon-fon-fon
"eucoí"

Fon-fon-fon-fon
"eucoí"

Fon-fon-fon
"coí"

12:41h - 30 de dezembro de 2022.

⁠⁠⁠Não preciso disto.
Tenho muitos mais, e bem melhores que este. Mas também não doo.
Vendo ou alugo.
E se não for possível, formato a ideia. Desenvolvo um novo e revolucionaríssimo serviço.
Aliás, você aí, já baixou meu aplicativo?

Madrugada de 30 de dezembro, 2022.