Marina Colasanti
Marina Colasanti nasceu na cidade de Asmara, capital da Eritréia, na África, no dia 26 de setembro de 1937. Morou em Trípoli, na Líbia e depois na Itália. Em 1948 veio para o Brasil, instalando-se no Rio de Janeiro. Formou-se em Artes Plásticas.
Em 1962, Marina ingressou no Jornal do Brasil onde foi redatora, cronista, colunista e também ilustradora. Foi editora do Caderno Infantil, participou do Suplemento do Livro com numerosas resenhas. Foi também editora da seção Segundo Tempo do Jornal dos Sports. Permaneceu no jornal até 1973. Escreveu também para as revistas, Senhor, Fatos e Fotos, Ele e Ela, Fair-play, Cláudia e Joia.
Em 1976 entrou para a Editora Abril, onde exerceu a função de Editora de Comportamento da a revista Nova. Recebeu o Prêmio Abril de Jornalismo em 1978, 1980 e 1982. Entre fevereiro e julho de 1986, escreveu crônicas para a revista Manchete. Em 1992 deixou a Editora.
Marina Colasanti exerceu várias atividades na televisão, foi entrevistadora e apresentadora de programas na TV Tupi, TV Rio e TVE. Foi âncora do programa cinematográfico Sábado Forte, na TVE e âncora do programa Imagens da Itália, na TVE, patrocinado pelo Instituto Italiano de Cultura.
Marina Colasanti é autora de mais de 50 títulos publicados no Brasil e no exterior, é uma das escritoras mais premiadas do país. Entre suas obras premiadas destacam-se: Prêmios Jabuti da Câmara Brasileira do Livro – 1993 – “Entre a Espada e a Rosa”, 1994 – “Rota de Colisão”, 1994 – “Ana Z, Aonde Vai Você?”, 1997 – “Eu Sei Mas Não Devia”, 2010 – “Passageira Em Trânsito”, 2011 – “Antes de Virar Gigante” e 2014 – “Breve História de Um Pequeno Amor”. Foi também premiada diversas vezes pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Em 2011 recebeu o Prêmio Portugal Telecom de Literatura – 3º lugar, com “Minha Guerra Alheia”.
Marina Colasanti traduziu importantes obras de autores da literatura universal, entre eles, “As Aventuras de Pinóquio”, de Carlo Collodi, 2002, “A Pequena Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Caroll, 2015 e “Imagine”, de John Lennon, 2017. Ainda na carreira de jornalista, Marina escreveu crônicas semanais para o Jornal do Brasil entre 2005 e 2007, e para o Jornal Estado de Minas entre junho de 2011 e março de 2014.
Seus mais recentes trabalhos são: "Passageira em Trânsito" (2010), "Hora de Alimentar Serpentes" (2013), "Como Uma Carta de Amor" (2014), "Mais de Cem Histórias Maravilhosas" (2015), "Melhores Crônicas - Marina Colasanti" (2016) e "Tudo Tem Princípio e Fim" (2017).
Acervo: 31 frases e pensamentos de Marina Colasanti.
Frases e Pensamentos de Marina Colasanti
Eu sei, mas não devia
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(Do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.)
Marina Colasanti
Eu sei, mas não devia. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
Nota: Do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.
...Mais
1.2 mil compartilhamentos
O amor não é louco. Sabe muito bem o que faz, e nunca, nunca, age sem motivo. Loucos somos nós, que insistimos em querer entendê-lo no plano da razão.
A Paixão da Sua Vida
Amava a morte
Mas não era correspondido
Tomou veneno
Atirou-se de pontes
Aspirou gás
Ela sempre ela o rejeitava
Recusando-lhe o abraço
Quando finalmente desistiu da paixão
Entregando-se à vida
A morte, enciumada
Estourou-lhe o peito
Assim como deixamos abertas as portas e disponíveis os sentimentos para receber a chegada de um amor, devemos deixar livre a passagem para que serenamente se vá quando chegada a hora.
EU SEI, MAS NÃO DEVIA
A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora, a tomar café correndo porque está atrasado.
A gente se acostuma a ler o jornal no ônibus porque não pode perder tempo na viagem, a comer sanduíches porque não tem tempo para almoçar.
A gente se acostuma a andar nas ruas e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios, a ligar a televisão e assistir comerciais.
A gente se acostuma a lutar para ganhar dinheiro, a ganhar menos do que precisa e a pagar mais do que as coisas valem.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não a das janelas ao redor.
A gente se acostuma a não abrir de todo as cortinas, e a medida que se acostuma, esquece o sol, o ar, a amplidão.
A gente se acostuma à poluição, à luz artificial de ligeiro tremor, ao choque que os olhos levam com a luz natural.
A gente se acostuma às bactérias da água potável, à morte lenta dos rios, à contaminação da água do mar.
A gente se acostuma à violência, e aceitando a violência, que haja número para os mortos. E, aceitando os números, aceita não haver a paz.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza para preservar a pele.
A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que de tanto se acostumar, se perde por si mesma.
A gente se acostuma, eu sei, mas não devia.