Mariana L

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Nunca demorei-me num lugar
morei pouco porque morei às voltas
e nunca mobiliei um objetivo.

O apartamento comprado tinha belas texturas
combinando a força dum azul cansado com um áspero rubro
e os dois pareavam sem atenção, flácidos
em paredes de gamas opostas.

Simples janelas de alumínio,
quadradas, respingadas de tinta,
eram no entanto minha casa.

Abri-las e respirar qualquer ar
faziam-me dona de muitos limites
e eis porque viajei até aqui
como se tivesse desterrado
com uma maculada mão cuidadosa
algum fim.

Ouvi qualquer voz dizendo: “não sangre tanto”.
e outra, engasgada, que desconfiada de mim
tapava a minha boca com a exausta lama das lamentações.

Ouvir – estou vendo a alta cúpula do Desejo
que minha mão não toca por cansaço.

Deixo-me porque pisar determinada é artifício,
um soluço na câmara lacrada -
toco o vidro e ele se ergue imutável.

Contenho bem pouco em mim
e em redor só vejo o que exalo
um semblante circular em espiral
de uma voz
- só para mim -
sempre incógnita.

Dois ônibus freiam lentos
e a gente dentro se imobilizou, atenta.
Eu buscava um afeto magro para aonde fora
e voltei de mãos vazias, com sons mais vazios nas mãos.

Cantem as ruas de medo
a noite calada é de fato cínica, dúvida, e o corte no céu foi profundo!

Contei cidades, bilhetes de ônibus, pequenos pães-de-queijo
peço que mantenha-me acordada a vida, ao menos,
e uma fileira de portas de padaria pichadas
tantos nomes lá, incluindo o meu próprio
sobre os filetes amontoados de retângulos cinzas.

DE FAUSTO E DO ANJO BOM

Oh, Fausto, amputa tua mão de ganchos
teu olhar de perfuratriz
finge o infinito como uma criança
amassa com as mãos o sonhado
como adolescente de cenho d´espanto
aos pés do imenso
e despreocupando-se!

(de Kleine Faust)

DE MEFISTO

A raça retraída
tão próxima de meu príncipe
tão facilmente degustável
- toco-te? -
lucidez de paralisias.

Hábitos do Limbo da Luz
placenta de ideias recurvadas
Antinaturais.

Teu Deus não te quis
raça em fuga
e minha imensa desgraça
é indiretamente a ti servir
como a mão canhota e definhada
dum demiurgo empalado.

Dormi ao relento das eras
bêbado
rescendendo à cerveja de taverna
e de certa e luz, caída de dor.

Teu deus te quis
desejo que se ensejou carne
canícula do abismo
cisma dos elementos naturais
fratura dos tempos
de onde jorra a voz sublime de mundos abaixo
ocas vozes, cravejadas de atropelos
e de um luto eterno
onde te perderás pelo gosto da Beleza
e da leveza infinita da Coroa
em sua queda.

(de "Kleine Faust")