Maria Fernanda Elias Maglio

Encontrados 8 pensamentos de Maria Fernanda Elias Maglio

Eu era primata e segurava primata

Não me lembro o que eu era antes de ser mãe
Alguma coisa entre tijolo e rã
(sólida e escorregadia)
O tempo de antes ficou sujo de uma coisa
que eu não sei
A vida principiou naquele dia
e depois só futuro
E era um futuro tão velho que parecia passado
Quando eu coloquei no colo minha filha
Era como se carregasse minha mãe
Ou a mãe da minha mãe
Ou a primeira mulher do mundo
Que era gente e era macaco
Ali eu era primata e segurava primata
E doía tanto

Maria Fernanda Elias Maglio
179. Resistência. São Paulo: Patuá, 2019.
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24 de junho

Os braços me doem de carregar o filho
E as pernas de tanto caminhar
Com o filho nos braços
Para que tanto mundo para vida tão curta?

As costas doem de me curvar
Para febre e o choro
E me doem os cantos das unhas e a cabeça
Me dói ainda mais o coração

Por que dói tanto?
Eu pergunto à minha mãe
Ela não sabe
Diz que são bonitas as noites de junho
O céu de mar profundo e as estrelas de São João

Eu engastalho o choro e aperto meu filho
Respiro o cheiro da boquinha cor-de-rosa
Leite e vida recente
Olha, meu filho
Como são bonitas as noites de junho
O céu de mar profundo e as estrelas de São João

Maria Fernanda Elias Maglio
179. Resistência. São Paulo: Patuá, 2019.
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Para minha filha

Quando sentir o chão ceder debaixo da sola de seus passos
Quando olhar para a frente e enxergar a nuca do mundo
Quando a água do mar parecer fria e seu nariz grande demais
Quando o vazio te ofertar a mão com brandura encenada
Quando a noite perpétua te jurar que nunca mais haverá dia
Quando alegria desertar de suas pernas e você parar de dançar
Quando se sentir cansada até mesmo para dormir

Sua mãe estará aqui

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Eu tenho quarenta e um anos
E onze graus de miopia

Eu tenho quarenta e um anos
E nenhuma carta de motorista

Eu tenho quarenta e um anos
E sete mil dias de despersonalização

Eu tenho quarenta e um anos
E vinte e oito dentes

Eu tenho quarenta e um anos
E um coração para cada filho

Eu tenho quarenta e um anos
E nenhuma vontade de morrer

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Não sei o rumo da história até que comece a contá-la, até que a própria linguagem me sinalize.

Maria Fernanda Elias Maglio
GASPARI, Filipe N. de. ‘A literatura é uma versão da realidade’, diz defensora que venceu Prêmio Jabuti. Jota, 1 set. 2019.
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Toda história tem um fundo e quem escreve deve se comprometer em não parar enquanto não encontrar esse fundo.

Maria Fernanda Elias Maglio
GASPARI, Filipe N. de. ‘A literatura é uma versão da realidade’, diz defensora que venceu Prêmio Jabuti. Jota, 1 set. 2019.
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A literatura é uma versão da realidade.

Maria Fernanda Elias Maglio
GASPARI, Filipe N. de. ‘A literatura é uma versão da realidade’, diz defensora que venceu Prêmio Jabuti. Jota, 1 set. 2019.
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Só tornei a literatura possível quando a retirei da solenidade.

Maria Fernanda Elias Maglio
Como escreve Maria Fernanda Elias Maglio. Como eu escrevo, ago. 2018.
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