Marcos Ascenio
Pedido de desculpas
Eu quero pedir desculpas. Quero pedir desculpas para mim mesmo. Quero pedir desculpas por ter me negado por tanto tempo o direito de me sentir vulnerável, fraco e impotente. A ideia do cara forte que não chora, intransponível, do coração inalcançável não me interessa mais. O mais distante possível desse arquétipo parece-me o mais próximo de ser somente humano. Somente humano nunca representou tanto para mim. Convido vocês à respeitar seus demônios, eles são vocês quando submetidos à lupa da percepção.
Valas comuns encerram vidas reais
não são apenas pais de família, são famílias sem paz
pessoas que sustentaram o sistema agora são sufocadas por ele, nos dois sentidos
a humanidade não se toca, nos dois sentidos.
Não são números, eles tem nome
são tantas as perdas que me falta ânimo
as famílias não temem a fome
uma visita esperada não causa espanto.
A vida tem sido generosa com alguns
dádiva dos que gozam da indiferença
nunca foi tão fácil enxergar mazelas comuns
falta vacina, sobra crença.
A história é contada a partir de quem a escreve
escrevo essas linhas como se fosse uma prece
a história é contada a partir de quem a escreve
como se fosse uma prece.
Café de domingo
Depois de despertar, não fui tão rápido ao banheiro, sentei na extremidade da cama e deixei a homeostase cumprir seu papel. Ainda em roupas de dormir pus água para ferver, passei um café barato desses que nem se pode sentir bem o gosto. Era o ato que importava. Já na velha xícara promocional, não agi como os amores modernos, fui cauteloso no açúcar - açúcar é um salteador de sabor - segurei a xícara como se fosse meu último instante de vida, experimentei sentir o calor fugindo para minhas mãos, não olhei para qualquer outra direção, continuei olhando para o café. O ar parecia místico e pesado ao mesmo tempo. Surgiu algo no reflexo turvo, uma face, um lugar, não importava, suspendi o julgamento. Respirei bem fundo e me senti parte de tudo. Nesses dez minutos existiu mais vida do que anos de convívio convencional. De resto só o magnífico espetáculo do dia. Sempre há algo acontecendo. Todo domingo é perigoso.
Esvazio copos, venço a madrugada
Deixo meu corpo às vezes, sou uma casa alugada
Aquilo tudo parecia uma vitrine
A cada pedalada essa avenida parece mais íngreme.
Gasto minha sanidade a esmo
Cada garrafa simboliza um erro, tenho errado bastante nos últimos meses
Penso no que tenho feito, mais uma pessoa magoada
Deixo meu corpo às vezes, sou uma casa alugada.
As luzes dos postes mostram onde preciso ir
Os copos me respondem o que preciso ouvir
Desgraçados hábitos noturnos guiam-me por lugares os quais jamais imaginei existir.
Aceito a instabilidade presente em mim, mais uma janela quebrada
Rostos sem expressão, falta tinta na fachada
Olho minhas mãos para não esquecer da caminhada
Deixo meu corpo às vezes, sou uma casa alugada.