Marco Aurélio Valente
Negligência
Um dia tu tivestes uma jóia nas mãos.
Após adormecer, depois de uma noite frívola,
Destes por perceber que a gema não existia mais,
E que, naquele momento, não te importavas,
Acreditando que no escrínio encontraria uma semelhante.
No recipiente de madeira do armário, carcomido pelo tempo,
Encontrastes apenas lembranças de uma vida jovem magoada,
Cheia de ânsias, que te faz atirar olhares, braços e pernas,
Carne, alma, boca de onde saem poemas, para todos os lados.
E no vento tudo se esparge e nada se junta
Nada foi o que restou da gema desaparecida.
Talvez tu te lembres de um fino raio de sol que a permeou
E morreu na Iris dos teus olhos.
Poema dos desnamorados
Guardam fora o que deveria estar dentro,
E de dentro perdem a visão do que está fora,
Mal enxergam o que está dentro.
Cegos em sua mais perfeita visão.
Tudo é turvo, embaralhado,
Desconexo, desordenado,
Sem conhecimento dos sentidos.
Quando tentam sentir se perdem, atrapalham-se, magoam-se;
E no que se ferem a auto busca acabam por ferir,
Afligir, fritando a alma de quem está ao lado,
De quem se importa e ama, nada mais do que se ama
Tudo além do que se ama, mais além, muito mais...
Ao frigir da alma, o amor infecciona e purula.
Entra em coma com infecção generalizada,
Morre logo em seguida, sem velório, na vala.
Nada restou da beleza original.
Mas eu acredito em reencarnação:
Reencarnação dos cegos de si mesmos,
Como a das vítimas de infecção.
Todos sempre têm outras chances.
Desinteresse
Bom dia!!!
Dormiu Bem?
Fiz um poema
Olha...
Não gostou?
Estou com saudade!!
Seu telefone está desligado...
Queria tanto falar com você!!
Pelo menos uma boa tarde.
Boa tarde!!!!
Já almoçou?
Precisa se alimentar bem,
Fico preocupado com sua saúde.
Seu telefone continua desligado.
Onde você está?
Já são três da tarde, a manhã já se foi.
O seu bom dia se perdeu,
Eu te amo!!!
Vou ligar para seu pai e saber de você.
Alô, oi senhor sou eu,
Posso falar com seu filho?
Oi, está vivo?
Estava esperando seu contato.
Seu telefone está desligado.
Ah ainda vai por para carregar...
Tudo bem, depois nos falamos.
Desculpas?
As vezes me canso de pedir desculpas,
Se é que as desculpas adiantam de fato.
Mas eu insisto nelas, mesmo tendo razão.
Embora as vezes eu não tenha razão alguma,
Porque a perco no meu desespero de não te ter.
Porque me falta na mínima suspeita de ameaça,
Na perda de território em seu coração.
Sou desesperado,
Sou exagerado,
Sou estúpido,
Sou ciumento,
Enfim, sou imperfeito.
Mas sou o homem que te ama,
Que te respeita,
Que te deseja,
Que se doa,
Que zela pelo seu prazer,
Que zela por sua vida,
Que reconhece erros,
E que, além de pedir desculpas, sabe desculpar.
Eu, estrela
Sou éter, a quinta essência alquímica curativa de mim mesmo.
Uma vez remediado me contraio e explodo como a morte de uma estrela; e surge em mim uma super nova, emanando energia azul, com luminosidade de bilhões de sóis e de grande campo gravitacional. Nada deixo escapar. Torno-me perspicaz e notório, um verdadeiro imã e suas polaridades. O que é bom permanece em minha órbita, o que é ruim desintegra em um buraco negro.
Resistência
Tudo muda muito rápido. O amor vinga com essas mudanças, mesmo que ele deixe de ser evidente para se tornar oculto. Sim, tornei-me um ser ocultado, sentindo as escondidas, proibido tornar publico um amor em seu maior esplendor, dedicado a quem pus em um andor e de joelhos prometi a eternidade. Não me julgo, não quero ser julgado. Não quero ser crucificado por amar com tanta intensidade. Tenho isto como um combustível para viver. É morrendo de amor que encontro vida.
O Pedido.
Perco-me, perco-me,
Acho-me, volto a me perder
Sigo adiante com as costelas quebradas,
Mas de cabeça erguida e peito aprumado,
Disposto a dar a outra face à tapa...
Nego-me, sonego-me, escondo os arranhões do tempo,
O calabouço que me enfiaram cujas grades serrei com os dentes.
A masmorra onde o capataz era o amor que sentia.
Sai vivo, marcado, porém vivo.
Então eu te peço, por clemência,
Não me devolva à bastilha,
Não quebre minhas pernas,
Não remende minhas costelas,
Porque o que tenho para dar não são migalhas;
Não sou homem de migalhas.
Sou inteiriço e não em pedaços,
Sou verossímil, real e não um personagem,
Sou amor em prosa e verso,
Tecido de linho para cobrir seu corpo.