Marcelo Coelho
Os olhos de Ruth Cardoso
Soube com tristeza, pela televisão, da morte de Ruth Cardoso. Ela sempre transmitiu uma grande distinção e serenidade em suas aparições públicas, e quem a conheceu pessoalmente creio que também tinha a mesma impressão.
Os comentaristas acentuam o seu papel na criação do Comunidade Solidária, assunto que nunca acompanhei direito. De qualquer modo, ela foi muito mais do que uma “primeira-dama” (termo que detestava) ao lado do presidente, mas parecia ao mesmo tempo estar constantemente ao lado de Fernando Henrique e no seu espaço próprio, independente.
Para levar este post a um extremo de subjetividade, acho que havia algo muito próprio no olhar de Ruth Cardoso, e no seu tom de voz: ela parecia encarar os entrevistadores, as câmeras, não sei se com bondade, mas certamente com compreensão; não uma compreensão intelectual, ou política, mas compreensão humana mesmo. Atrás dos óculos grandes, os olhos escuros diminuíam um pouco, mas tinham algo de doce, sem ser sedutor: eu sentia certo conforto ao vê-los, mesmo na TV. Tinham, sei que a palavra é estranha, uma grande maciez.
Talvez eu imagine o quanto de compreensão, de perdão mesmo, ela teve de ter com Fernando Henrique ao longo da vida. Mas quantas mulheres não acabam desenvolvendo esse traço de caráter? Acostumam-se, quando não brigam de vez, a encarar o marido como uma espécie de menino crescido, que de vez em quando chega arranhado das brigas de rua, e se entrega fanaticamente à sua coleção de bolinhas de gude...
Mas é claro que, sendo intelectual, professora, e tendo vivido durante o nascimento e o apogeu do feminismo, ela soube viver a própria vida, sem a passividade das antigas esposas de presidentes, de homens de negócios etc.
Foi um fator muito importante para que ela não fosse uma deslumbrada com o poder. Imagino também que sabia, desde moça, que Fernando Henrique haveria de ser presidente (dizem que ele tinha certeza disso já na juventude). Sem deslumbramento nem arrogância, Ruth Cardoso mostrou, sobretudo, que na simplicidade está o segredo da distinção.
É provável que toda criança tenha tido a impressão de que, fechando a porta, todas as coisas de um quarto comecem a se mover, dancem como num desenho animado, e que só retornem à quietude se novamente olharmos para elas. Um pouco como se fossem alunos fazendo bagunça na ausência do professor. E quando abrimos de novo a porta do quarto, as coisas, embora silenciosas e imobilizadas, ainda parecem reprimir um risinho; mostram um bom comportamento que mal segura a euforia que elas encontravam no fato de existir.
Estou aqui agora,arquitetando frases para convencê-la de que somos melhores quando pensamos um no outro e,invencíveis quando estamos juntos...
Como eu queria que a noite passasse mais rápido, e o dia viesse logo amanhecer . Para ver, se minhas esperanças das expectativas de amanhã fossem, realmente,acontecer....
Para ver, se não seria só mais uma ilusão, como todas que sempre tive ao viver..
Gostaria que, pelo menos uma vez,uma única vez, pudesse tocar no meu objetivo, talvez assim, pudesse agarra-lo e não soltar mais... talvez assim,minha Rosa dos ventos não me direcionasse mais ao sul, mas sim ao norte.... se é que o norte existe... de repente, é só mais uma ilusão minha..