Manami Leticia Tamogami
Entre avenidas movimentadas, luzes ofuscantes e barulhos incômodos, uma correria sem fim, afinal, a vida tem hora marcada. O alimento é ingerido grotescamente no almoço para que haja tempo para complementar o sono da noite. A todo instante nos deparamos com agendas superlotadas, nos esbarramos com compromissos que deixam para serem marcados, mas nunca são realizados. O ar poluído nos mata gradativamente e as cores vibrantes, recebem tons acinzentados. Apenas quando o apagão acontece imprevisivelmente, se notam as estrelas.
Existe uma razão pela qual tenho apreciado o mundo pela janela, as cousas são mais belas vistas de longe, o risco danoso é pouco provável. O medo de viver é sufocante e estar vulnerável a todo instante, torna cada segundo uma eternidade.
Uma das maiores provas de admiração, é o céu que é ilustrado por nuvens e seu preenchimento de cores excepcionais, uma mudança constante que em todo momento será autêntico. Aprendemos desde pequenos a contemplá-lo e até mesmo ao ausentar seus tons mais claros, dão lugar a um cenário de luzes extraordinário; sorte delas estarem tão longe.
No entanto, a sensação inquietante de estar estagnado gera o desejo de liberdade, perco-me nesta ânsia de realizar sonhos improváveis. Vivendo em doce recreio uma vida de receio.
Quantas fofocas feitas, tantas vidas para cuidar, tantas grosserias ditas, atos corruptos, preconceitos praticados, sempre negados. O dedo que aponta defeitos, também é usado para cutucar feridas, alheias.
Passa a semana em pecado, chega domingo na igreja para se confessar. São tantos vivendo a mesma ilusão, a consciência não pesa, pois a mente é ocupada com bobagens no ato da procrastinação.
Infelizmente a bondade dissimulada está viva, em todo lugar, procurando vítimas, quando na verdade o mais prejudicado é o que muitas vezes se põe em fingimento até mesmo na hora de rezar.
A mosca paira pelo ar, invade o cômodo deixando todos aflitos. Circundando tudo ao redor e presenciando conversas fiadas, de quem passa horas regurgitando indelicadezas. Uma noite reservada para atos sórdidos, em que discretamente a imundície é varrida para baixo do tapete.
Os banquetes fartos implicam enormes despesas, capazes de saciar famílias, que até então partilham a miséria. Indivíduos de pose robusta e de cargos prestigiados, comendo e bebendo como se não houvesse amanhã. Santificados aos olhos do mundo, sujos aos olhos da mosca.
A conformidade é frequente, perante tantas injustiças vivenciadas. O pão e circo traz a sensação de felicidade mascarada, tirando o foco de todo desconforto existente; do sonho de ao menos um quinto do valor que recebem para arcarem com as obrigações diárias, para sobreviver.
Mesmo ali imóvel quase imperceptível, é uma visita indesejada e por isso após inúmeros golpes de sorte, consegue sair ilesa, sem levar evidências do que acabara de espreitar.
Sorria sarcasticamente, mesmo após várias discussões para os quais o alcoolismo levava. Sentia ter controle sobre a situação embora mal pudesse se manter em pé. A cada dose, a felicidade ilusória tomava conta de seus relacionamentos, de seu emprego, de sua vida. Prejudicando não só a ele, mas também todos que o cercavam e dependiam de sua sobriedade.
Os erros cometidos eram perdoados pela esperança da mudança que não vinha, todas suas ações eram praticadas em função do vício. As influências que começaram como farra aos finais de semana, tornou-se um hábito, todos os dias.
As críticas logo passaram a ser rebatidas agressivamente, seu desgosto e raiva pelas situações cotidianas eram descontadas na bebida e posteriormente nas pessoas. O dinheiro já não sustentava o vício e as necessidades que deveriam ser priorizadas, os empregos eram instáveis e sua reputação era danificada sem chance de reparos.
Não queria nada da vida, negava qualquer ajuda que não pudesse colaborar com a alegria proporcionada pelo álcool. A afeição existente da família destruída e pessoas próximas, passou a ser compaixão ou desprezo. A solidão tomou conta dos cômodos da casa, até o momento do despejo. Só então a ficha caiu, mas resolveu tomar alguns goles para amenizar o sofrimento.
Brincadeiras, risadas e piadas deram lugar ao silêncio mórbido de uma sala de estar ainda cheia e ao mesmo tempo tão vazia, interrompido por barulhos frenéticos de dedos em telas, para fugir da realidade que os envolvem; enquanto moscas batem insistentemente no vidro em uma tentativa frustrada de se libertar.
Acentos de sofás que antes eram reservados aos mais velhos passaram a ser posse das crianças inquietas vidradas na tecnologia, que começaram então a viver em função ilimitada do vício que são cedidos sem pensar para ter um pouco de tranquilidade.
Para os adultos e jovens, inúmeros retratos entre os que estão presentes e o alimento que muitas vezes não é ingerido, apenas um acessório da mesa farta para um álbum mais farto ainda. Nenhuma troca de palavras apenas sorrisos forçados. Uma tentativa iludida de demonstrar para quem não se importa, o quão feliz é.
A comunicação em si é escassa, embora hajam tantas formas de se comunicar; a expressão é livre, desde que fira os princípios alheios e não os seus. Defecam pelos dedos com tamanha facilidade, que não deixam a dúvida da estupidez que um cérebro é capaz de abrigar, a antipatia é cultivada com eficiência, cada semente da discórdia é plantada e regada todos os dias. Como cães pequenos que aparentam ser corajosos atrás das grades, por trás da máquina, humanos praticam o mesmo.
As características da face que será demonstrada para o número extenso de "amizades" são selecionadas com cautela. Embora quem a veja saiba como as coisas são de fato, um conto de fadas solitário.
A falta de sorte é desconcertante, como um náufrago ao mar, em dias tempestuosos, nunca se sabe quando virá, e se virá à calmaria. É preciso esperar pacientemente pela virada de cada dia.
A vida é frágil, pode-se dizer que em solo, as chances são similares. Mesmo mantendo tantos pensamentos positivos sobre mínimas probabilidades, a verdade quase sempre negada vem à tona.
Cotidianos trazem as reincidências, acarretam problemas que são enfatizados e carregados como um fardo durante um longo período, a sanidade é perdida nesse meio, não se sabe lidar e os detalhes singelos que diferem não recebem o devido valor.
No entanto, diante de um leque interminável de possibilidades, ainda assim somos surpreendidos, esta é a síntese existencial. Abalar-se é normal, mas desistir não deve ser uma escolha válida, quem vive não simplesmente existe, mas aceita constantes desafios.
A criança decide explorar, este sendo o maior de seus hábitos em uma imensidão de cheiros e gostos. A inocência é abrigada em um corpo frágil, um ser quase recém parido, já é capaz de tantas influências: um capricho, um trocar de fraldas ou um abraço; desconhece ainda das malícias que aguardam.
Ainda depois de muito tempo, é certo que não estará preparado, confiar em alguém neste mundo maldito é como se agarrar a uma árvore em meio à enchente, você não sabe se terá segurança ou se as raízes te jogarão novamente na correnteza.
Alguém que teve tudo nas mãos não conhece a dificuldade de conquistar, sabe-se que desistir é mais fácil, jogar fora aquilo que os outros almejam não lhe acarretará problema algum. Mas quando jogado na imensidão, se apavora, não sabe lidar; quando precisa enfrentar problemas chora, ninguém vai ouvir, ninguém quer ouvir; como o pássaro engaiolado que resmunga em canções, ouvidos alheios apreciam sua dor.
As regras são tomadas no café da manhã, o julgamento de certo ou errado determinados pelo ponto de vista de um cabresto, é ingerido a seco. O cotidiano se torna uma bagagem extensa, os detalhes que diferem as vezes passam despercebidos e quando não passam são classificados como insignificantes.
A violência está agregada, ser corrupto algumas vezes certamente é normal, o prazer da carne ultrapassa a razão e a criança que agarrava com admiração algo distinto, agora, adulto abomina, carregando consigo uma porção incontável de desafetos.
A rosa ensina, apesar de tua beleza que preenchem os olhos, quem a colhe sem pensar se surpreende com os espinhos, talvez seja necessário um ou alguns espinhos para que aprenda de fato como admirá-la, como conviver com ela. A vida é assim, sem cautela ou aviso prévio, haverão inúmeros tropeços, se acontecerão da mesma forma só depende de quem os comete.
Ah, estas larvas! Seriam futuras borboletas ou para simples putrefação?
A liberdade de expressão por vezes pode parecer traiçoeira. Seja livre para falar o que quiser, mas, esteja preparado para ouvir o que não quer. É fácil ser o pseudo-intelectual quando se vive em inércia ou na caverna de Platão. Argumentar com base em "doutrinação" partidária e com o que lhe é mastigado, pela mídia tendenciosa. A acomodação é um vício perigoso, e descobrir a verdade sobre o que defende ou ataca tão arduamente, pode ser um tanto quanto doloroso.
A grande maioria é massa de manobra conformada e a neutralidade tornou-se via para desistentes. O ódio é discursado pelas oposições políticas fervorosas, enquanto a verba é distribuída sem distinção para aqueles que riem da população. Esta, incapaz de interpretar uma frase, mas dona de uma razão inquestionável.