Malu Mezzomo
"Sou de peixes, sou da água,
Líquidos são meus caminhos;
Nado em correntes, em lagos,
Em rios, mares, riachinhos...
Já fui levada na onda,
Já venci redemoinhos...
Se a água é calma, sou forte,
Sou livre, sou relaxada;
Se a corrente vem com força,
Venço com garra o repuxo;
Titubeio, me exauro, mas sigo no meu destino...
Nem sempre sigo meu curso,
Afluentes me carregam, igarapés me surpreendem...
Quando não resta nada, resta o vazio...
E, às vezes, o vazio é tão grande que ocupa todo espaço...não deixa lugar para mais nada.
Tô pirando ou já pirei?
Tô sofrendo ou é ressaca?
Tá passando ou nem chegou?
É a vida ou é o limbo?
É a morte ou é o repouso?
Não é o teu aplauso que eu almejo; nem tua crítica insensível ou teu elogio automático.
Quando escrevo, o meu alvo é a minha loucura.
Minha vida não era um palco iluminado, mas eu vivi vestida de dourado, palhaça das minhas fúteis ilusões.
Flor de pessegueiro
E lá está ela, altaneira, teimosa, colorida e viçosa; é um ser anômalo, destoante no meio do concreto e do cimento; solitária, imperturbável, florescendo prematuramente devido ao calor fora de época; que importa se é inverno ou primavera, teu brilho e teu colorido se sobressaem na paisagem acinzentada das ruas mortas de tédio e de rotina.
Por um momento minha visão do mundo, normalmente em preto e branco, vislumbrou aquela árvore vestida de rosa, destoando do acinzentado da rua e da minha vida. Por um momento, e só por um momento eu tive a ilusão de voltar a ver as cores, o brilho e a alegria da vida. Mas eras única, impotente e insuficiente para preencher de cores e de vida uma alma grisalha e envelhecida.
Talvez no campo, onde o barulho das ruas não me alcance, onde eu possa ouvir o chacoalhar das folhas das árvores numa golfada de vento, o cantar solitário de um pássaro; onde o horizonte não se esconda atrás de prédios feios e frios; talvez lá eu encontre cor e luz suficiente para trocar minhas vestes cinzentas pelo verde dos campos ou pelo colorido das flores e minha tristeza seja engolida pela alegria pueril das aves, pelo coro melancólico das cigarras ou pelo silêncio cúmplice de uma noite estrelada.
Me chama pra dança
Me pegue e me leve
Não importa que som,
Se tango, se rock
Se funk ou se soul.
O que eu quero essa hora
É estar nos teus braços
No toque das mãos
Mas, olhos nos olhos,
Não vire, não pisque
Concentre-se em mim.
Nosso mundo é a pista
Estamos sozinhos, só eu e você
Sou tua essa hora, és meu por agora
Depois, pouco importa
Não convém a verdade, o sonho é maior
Meus passos
Não cobres de mim se não sigo teus passos...
Se não sinto os prazeres que te fazem feliz,
Se não rio de tudo, se choro por pouco e não sou infeliz.
As fontes são outras, o motor é diverso, a alegria é igual;
A minha é interna, é calma, é serena,
É fruto de tudo que vida me deu;
A tua é externa, depende de aplauso, de coisas, de fatos,
Tu acessas mais fácil, eu demoro a chegar;
Os caminhos são outros, não cruzo teu rio;
Te quero feliz no teu mundo, tua rota, em um atalho qualquer;
Não cobres de mim se não sigo teus passos...
Se encontro em mim mesma as coisas que quero,
Se viajo sozinha, em livros, caminhos e não preciso de ti.
Não sigo teus passos, não te quero nos meu...
Eles vão se cruzar; um dia, uma noite, uma hora qualquer.
Vidraça
Na infância - fechada;
É vidro translúcido que mostra a vida e impede os perigos, protege e deslumbra; intriga e provoca.
Um dia se abre...
E o vento da noite, a brisa do dia, a cor do luar, o sol sem pudor se tem ao alcance, se pode provar; se fecha ou se abre ao seu bel prazer;
O destino de hoje ao alcance da mão; se teme, se foge - fechada, abrigada; e abre, se quer.
Um dia a vidraça, mal fechada, talvez, se bate e se quebra, em pedaços no chão.
E os cacos que sobram não formam vidraça, não acalmam temores, não servem de asilo, não impedem o vento, as dores, os medos, o frio...
E o que sobra da vida são fragmentos de outrora, pedaços de tempo que guardam lembranças, memórias, saudades;
E assim, em pedaços, não são mais vidraças; são restos, são cacos, lasquinhas de vida espalhados no chão.