Lujan Sanches
Eu te amo em liberdade. Não quero que pertenças á mim. És livre como o vento que transpassa as fronteiras de Norte á Sul. Eu te amo em liberdade. Ouça: eu te permito ser, então permita me ser. Eu te amo em liberdade.Por que quem ama deixa livre e é escravo somente de sua própria consciência. Eu te amo em liberdade. Por que ser livre não é não ser de ninguém, é ter a coragem de se permitir viver um sentimento. Por isso me ame em liberdade. Estarei aqui quando você quiser chegar, te amando em liberdade.
O cansaço na maioria das vezes não vem do corpo, vem da alma. Por isso o sono. Essa maneira interina de morrer nos faz descansar. É preciso dormir, dormir desesperadamente. Não para fugir, não há como fugir de nós mesmos. Mas dormir para descansar a alma do peso dos sentimentos.
Você acha que um minuto é pouco?
Um minuto não é pouco quando te faltam palavras. Um minuto é distante para sentir se mais perto. Um minuto é luz quando o raio corta o céu aberto. Um minuto é suficiente para desabar o castelo de cartas. Um minuto é eficiente olhando atento o suporte de facas. Um minuto é pouco quando todo diálogo é de surdos. Um minuto é inútil debaixo de dois pés esquerdos. Um minuto é paladar quando bebo solidão. Um minuto é desespero dentro da escuridão.
Prefiro ser desses que não seguem padrões, não se enquadram e nem fazem questão de tal, não andam na linha, mas traçam uma, baseado naquilo que entendem, e se entendem o fazem muito bem.
Prefiro ser desses largados, nada de ostentação nem apego á bens materiais, nada de roupas de marca ou sapatos caros. O melhor da vida é se sentir livre, e viver desapegado. Apenas nos apegamos aos momentos mais insanos e intensos que nos submetemos a viver, como se a experiência fosse o único bem de valor imensurável, e isso ninguém pode nos tirar.
Prefiro ser desses sem vaidade, sem qualidades, sem méritos e sem pudor, sem rótulos. E sendo assim é que somos quem queremos ser, sem fingimento, sem máscaras.
E essa preferência faz de nós o mesmo que um escultor faz com suas peças. Se o sistema nos molda de uma forma, cabe á nós seres pensantes nadar contra a maré. Não por simples teima como fazem os revoltados sem causa, mais do que isso, agimos assim por acreditarmos numa forma de vida diferente á esta que já estava aqui quando ainda nem pensávamos em nascer. Fomos submetidos á isso e lutaremos contra o mesmo, começando por nós mesmos. A revolução começa dentro da cabeça de cada um.
Andei pensando nas coisas da vida
Pensei andando na vida coisada
Nesses tempos de preconceito nossa boca não será calada
Já se sabe que somos as netas das negras escravas que vocês não descarnaram. Já se sabe que somos os netos dos negros escravos que vocês duramente surraram. Já se sabe do apoderamento errôneo da nossa cultura, dos casos de discriminação. Já se sabe que a negritude é a que mais morre, da violência, das guerras e até já vimos os corpos no chão.
E você meu caro? Qual é o plano? É a tua gente que sofre!
Somos doutores em resolver assuntos alheios enquanto nem os nossos próprios problemas somos capazes de resolver.
É sempre inverno no coração de quem escreve. Mas foi no verão que fiz amor com a poesia. Eu quis trancar todas as minhas assombrações no guarda roupas. Couberam as lembranças, as cartas ridículas, a saudade, o ócio. Foi difícil fazê-las entrar. Tranquei até a alma que te dei. Eu desenhei todo o meu amor nos papeis que estão na gaveta e que você não leu. Eu me desfiz de todas as roupas com seu cheiro. Desfiz-me das telas, tintas e pincéis que usei para retratar sua barba. Ah! Minha excitação por barba, você provocou. Agora meus pensamentos são ondas de ócio num mar de mesmice. Eu me perdi dentro de mim mesma só para estar despedaçada nos lugares mais improváveis. Eu estava no seu bolso, no galho de árvore que aponta pra sua janela, no ponteiro do relógio, no corrimão da escada da saída de emergência, na estante atrás dos livros, e até dentro, na página em branco. Veja quanta coisa há nesse guarda roupas, virou uma prisão de sentimentos, cores e intensidade num volume extraordinariamente proporcional ao que eu tenho no meu peito. Escute o barulho que eles fazem, já não consigo mais dormir á noite. E nem me atrevo a citar seu nome. Seria ensurdecedor. Permita que eu compartilhe contigo a luta que travei comigo mesma para voltar a ser alguém normal. Entenda que a saudade me bate, violenta, imperdoável. Eu tento contê-la. Tudo isso é pesado demais pra mim. A minha lanterna ilumina o chão que pisarei, pois o caminho já percorrido me fez calos nos pés. Você me fez calos, a dor me calou, só a poesia me salvou.
[Das coisas que fugiram do meu guarda roupa]
Explico-te: quando para o céu eu olho muito sinto, vontade de soluçar em palavras. As estrelas iluminarão minha alma perdida em meio á esse caos envolto de paz. Ela conseguiu fugir. Aquela que eu te dei sem pedir nada em troca. Se você conseguir me achar, digo achar minha alma, não se preocupe, minha poesia te indicará a hora, o dia e o local para devolvê-la á mim. E já peço desculpas. Ela conseguiu escapar do meu guarda roupas. Disse que não aguenta tanto frio, e que agora vai de encontro á linha do Equador dos seus olhos, ao trópico da sua barba, ao meridiano do seu sorriso. Sim, ela é louca, eu sei. Foi assim desde que te presenteei com ela. E eu sabia que era um caminho sem volta, um mal sem remédio, uma doença sem cura. Eu te dei o bem mais precioso como a primavera dá flores á natureza. Lembro-me do plasma célebre que vi em seus olhos naquela tarde de sexta. Você me olhou, eu sorri, você me beijou e eu senti. Não a deixarei fugir novamente. Uma dose de Cianureto resolverá. Ela precisa dormir, eu preciso. Não para fugir, não há guarda roupas pra mim. Dormir para descansar a alma do peso dos sentimentos. Beberei minha solidão.
[Das coisas que fugiram do meu guarda roupa]