Luiz Ruffato

Encontrados 9 pensamentos de Luiz Ruffato

Arqueologias

Envelhecemos, e teus projetos
aos sonhos retornam.
Aquela casa de campo,
quantos iriam visitá-la?
O filho inconcebido,
como mesmo irias nomeá-lo?
A viagem à Europa,
este país, que naquele.
Envelhecemos, no entanto,
e tudo à volta rui.
A cidade irreal,
envolta em névoa, tua.
Envelhecemos, e teus sonhos
em sonhos permanecem.

Inserida por pensador

Um dos grandes problemas que afligem a vida do casal é o ciúme. Para eliminar totalmente esse mal, que provoca brigas inúteis comprometendo a união, deve-se fazer o seguinte: numa quinta-feira, compre um vidro de perfume de sua preferência. Benza-o contra o ciúme, fazendo uma cruz por cima da tampa. Dê o frasco de presente para a pessoa ciumenta, dizendo que gosta do aroma e por isso quer que ela o use. À medida em que o líquido vai acabando, vai indo embora também o ciúme.

Inserida por pensador

Quatro ou cinco motivos
para renunciar, eis a coluna
de haveres. E persisti,
embora tenham sumido
canetas e dias inteiros
no estranho calendário
que carrego às costas.

Eu não sabia – tu não sabias –
mas as fomes de domingos
as madrugadas rodoviárias
os nomes que se apagavam
as errantes ofertas dos ventos,
tudo nos empurrava para a porta
nunca aberta, nunca cerrada.

Inserida por pensador

A madrugada me desperta com seus dedos frios,
súbito me arrancando do lugar dos sonhos e maçãs.
Estive lá, amigos, em suores, tremores, elisões,
um país habitado por labaredas azuis, tão longe de tudo
e tão perto que meus olhos cansados me descreem,
desacostumados a olor de terra, a negras melenas.
Mas estive lá, amigos, os sulcos na pele testemunham,
estes espelhos nativos atestam, minhas mãos caladas certificam.

Inserida por pensador

Ainda há pouco era dia.
Eu asilava na sombra
a estirpe dos antepassados.

Temia a chegada da tarde
com seus pássaros, vertigens,
cortejos, fantasmagorias.

No entanto, sem sabermos,
caminhávamos, ombro a ombro,
evitando as largas veredas.

E quando afinal a tarde desceu
entre labirintos, vales e cristais,
entrelaçamos as mãos inseguras.

Juntos, partilhamos o tempo,
reconstruindo pedra e pedra
a vida que quedou imediata.

Inserida por pensador

Onde quer que estejas, em teu país
ou em outro, és estrangeiro: ninguém
tua língua compreende. Só, o deserto
de estranhas veredas percorres.
Conservas, no entanto, dos primeiros anos
o albor, quando tua cidade, madrasta e mãe,
teus sonhos na noite fresca velava.
A grande mão que afagou-te esmaga o peito agora.
Ah! Somos apenas o que somos. Apenas.

Inserida por pensador

E súbito compreendo o primeiro não:
meus frágeis pés tocaram a água fria
e vi, descidos dos retratos ovais, rostos
que entulhavam a despensa de histórias.

E súbito compreendo o primeiro não:
meus braços cingiram a madrugada
rejeitando nomes, tão pouca terra
para tão grandes desaparecimentos.

E súbito compreendo o primeiro não:
o tempo avança do agora para o anteontem.

Inserida por pensador

No princípio
eras palavra
verbo adjetivos
imagem subsumida
no etéreo universo.

Então encarnaste
sujeito predicados
nítida metáfora
flor calor cor
mar ar amar.

Inserida por pensador

Desperto: a noite farfalha
teu nome. Estiveste aqui
há pouco. O chão da casa
acaricia teus passos breves,
tua voz ilumina caligrafias
na parede, molda tua pele
o lençol ainda impregnado
de ausência. Desperto.

Inserida por pensador