Luís Ochoa
Haverá sempre um fado que me tira das mãos o suposto,
a força inabalável de um rio longo,
tão longo como a vida e depois da vida –
intransponível evidência que não se vê, mas que se sente,
comando firme que me olha do extremo de mim.
No instante da criação poética, beijo a inocência, e o universo senta-se a meu lado numa partilha íntima e espiritual. Tudo o resto não existe, nem a verdade.
Todos os dias vejo-me num novo encontro com o mundo,
um primeiro olhar, um toque inédito,
e nada há na noite que me diga
que a vida é uma expressão lógica.
Se a vida me devolvesse dez anos,
iria por outros lugares, veria outras gentes e,
passado outro tanto tempo,
estaria aqui na mesma a acender um cigarro
e a perder o olhar no fumo que se lança no infinito
O que tenho certo são paragens espalhadas,
sentidos que não ficaram,
e um caminho que vai contra o tempo!
Esta estrada anónima, que um dia terá nome completo,
cada vez mais perto, será uma estrada fechada,
ou a abertura de uma suspeita invisível do que está para lá desta estrada aqui…
Os que entendem , como eu, o murmúrio do amor saberão que tudo é mistério que nenhum tempo saberá descobrir!
Vou sabendo de mim no escrutínio dos dias,
nas águas que vão passando pelo tempo,
por cada tempo vivido, ou deixado, mas nunca me vejo completo.
São negras as salas da solidão.
Amarram a noite, mesmo que o dia bata à porta.
E ninguém chama pelo meu nome,
nem um aceno do lado de lá do medo.
Olho-me inexistente no mundo,
como um cadáver de alguém que por lá passou e terá partido.
E não deixou conhecidos,
nem ninguém que tivesse chorado a partida!
Um abandonado que só a solidão deu guarida.
Sempre fui um improvável na boca dos sonhos,
um eterno suposto do real.
Nunca o que quis de mim existiu,
morri sempre antes das últimas palavras,
padeci à beira das águas, junto à areia,
um quase em tudo o que partia de mim.
Nunca existi.
Nunca ninguém deu por mim,
e hoje sou filho oculto do mundo no berço da solidão.