Lucio Medina
À beira-mar
Decidindo à beira-mar
Por que orla caminhar, chegou o verão
Quente como sempre
E pra onde quer que olhe
Tem olhos sedentos, safados
Pele morena e corpos sarados
E o Rio com seu Cristo
Nos protege e abençoa
E mesmo em meio a tanto pecado
Nosso Cristo nos perdoa
Decidindo à beira-mar
Em que dia embarcar
Esperar as festas ou não
Mesmo apertando o coração
Quero é recomeçar
Em outro lugar
Também à beira-mar
A esmo
Sou sempre escolhido a esmo
Sem saber o porquê, nem como proceder
Quem me escolhe também não sabe
Mistério
Sempre sou escolhido a dedo
Em meio a muitos
Tenho até um pouco de medo
Receio
De transformar a escolha certa na opção errada
Escolhido a dedo
A esmo
No meio da multidão
Sem nenhuma aparente razão
A riqueza do olhar
Li uma história sobre a pobreza
Uma história tão rica
E de tal beleza
Que encheram meus olhos de lagrima
Fez-me perceber
A riqueza de quem só reclama
Com a pobreza de sua alma
Quem pede tudo
E só pra si
A alegria de um bolo de fubá
Que não é de aniversário
Mas que pela pobre mãe com velas é adornado
Para o seu parabéns cantar
E a criança tão pura
E com tal beleza
Que não percebe a pobreza
E se põe a cantar
Para depois apagar as velhinhas
De seu pedaço de bolo de aniversário
Isso mesmo
De seu PEDAÇO de bolo de fubá de aniversário
Somente aquele pedaço
Seu pai pode comprar
E em um boteco celebram um ritual
De mais um ano ver passar
A ternura no rosto da mãe
Parece à Deus implorar
Por uma vida melhor para sua filha
A vida que ela ainda não pode dar
De novo
E aqui estou eu
De novo
Lutando comigo
De novo
Talvez se eu tivesse dinheiro, eu sumisse
De novo
Mas não voltaria
De novo
O ciúme me corroe
De novo
Meus pensamentos me traem
De novo
Só que dessa vez eu não senti o seu cheiro
Mas o coração aperta
De novo
Mas eu estou forte, inflexível...
Completamente variável...
Eu estou apaixonado
De novo
Despedida
Despeço-me então de ti
Cidade querida onde um dia nasci
E rumo para um rio que não corre
Voa
Entregar-me aqueles que não amam
Zoam
Entregar-me a mim
Tudo a frente é incerto
Vejo um vasto deserto
Se apresentar e confesso
Que não estou triste
Mas posso ficar
Seu perfume me motiva
E me intriga
Não sei se vou suportar
Deixar-te aqui
Entregue a quem quiser
Ou aqui ficar sem poder me entregar
Se eu vou
Eu me mudo
Mudo de mundo
Mas volto pra cá
Para rever-te então
Com toda a amizade
Por minha querida cidade
Que sempre me acolherá
E encontrarei nas ruas e vielas
Moças bonitas
Mulheres belas
E já estarei sorrindo
Por motivos mesquinhos.
Mas voltarei talvez, triste.
Com alguém que insiste
Em num erro acertar
Destino
Cai
A chuva lá fora, cai
Eu escuto e escrevo
Sobre suas gotas melancólicas
E a noite no desespero
Fingir que não está
É bem pior do que permanecer
O que se pode esperar
De alguém que não vai te reconhecer
Permaneça no quaro isolado
Chorando lágrimas de solidão
E quando todas elas secarem
Aceite e cumpra sua missão
Agora aqui estará
E aqui irá permanecer
Já não precisa mais esperar
É a hora de crescer
Trace seu rumo e vá
Pelas estradas que deseja
Não espere o vento mudar
Pode ser que isso não aconteça
Descobrirá
Que está longe de ser o resultado, o importante
O importante, de fato
É o caminho que é traçado
Com amor
Ela
Por que tudo é Dela
Por que eu só ouço Ela
E se Ela fosse aquela
Seria bem melhor
Todos só veem Ela
E eu já me sinto Dela
E isso é bem pior
Junto a seus seios, olhares
E cabelos de Serafin
Não sobra espaço pra mim
Só pra Ela
Pra falar Dela
Pra conversar com Ela
E esquecer de mim
E eu me acabo assim
Sem poder com Ela
Sem ser melhor do que Ela
E Ela, desejando a mim
Ele
Andar de felino
Olhar de menino
E corpo de homem
Qual é o seu nome?
Meu nome é o nome
Que quiser chamar
É só pensar, escolher e gritar
Que venho rápido
Só pra te amar...
Palavras loucas
Ditas por um pobre poeta
Antes fosse ele um profeta
Para eu poder acreditar
Espero
Daqui a pouco vou te ver
Teu rosto beijar
E se outro aparecer
Vai acontecer o que?
Sentirá ciúmes
Se eu me insinuar com olhares
Com sorrisos, com charmes
Será?
Espero que ele vá
Pra te mostrar com muita clareza
Que sua estúpida incerteza
Vai fazer eu me afastar
Acho melhor você se cuidar,
Ou melhor, me cuidar...
Se mostrar que é imune
A um pouquinho de ciúme
Eu vou perder o bom costume
De vir te procurar
Pois então lhe digo o seguinte
Que tudo isso muito me aflige
Mas eu não vou desesperar
Agirei calmo como um burguês
Com o dobro de sensatez
Para ninguém me criticar
Mas o ódio que agora me assola
Pode sumir, se esvair
Sem demora
Se apenas um beijo me dirigir
Deixo então ao encargo da lua
Qualquer atitude sua
Que possa me seduzir
E peço ao seu corpo o ciúme
Peço a ti todo o cume
Da montanha do amor
Que nunca subi
Esse meu eu
Essa quase depressão
Que me segura pela mão
É culpa sua
É culpa minha
Essa fossa
É culpa nossa
Pensei em tanto pra te dizer
Mas só de ver- te
Eu me calo
Na boca com o gosto amargo do ciúme
Me retraio
E quando me pergunta com seu jeitinho
Por que eu estou tão quietinho
Quase desmaio
Em teus braços
E a dor que ainda existe
Me faz cada vez mais triste
Por não ver como mudar
Ah esse meu eu
Já que não posso entender
Cabe-me somente aprender
Sobre esse meu eu em você
Estagnação
Tempo, falta tempo
Muito tempo
Tempo, sobra tempo
Muito tempo
Tempo, parado
Meu tempo
Tormento de ver parado
Estagnado
Podia ser semeado
Pode!
Tempo, meu tempo
Parado que eu movimento
Com ruído barulhento
Por alguns momentos
Para parar esses momentos
Compensar a não ação
Fé
Não perca a esperança
Quando tudo parecer perdido
Incoerente, infértil, inexorável
Não perca a esperança
O fato de Aslan não ter vindo
Não quer dizer que ele não virá
Por mais escuro e frio que seja o buraco onde se encontra
Ao menos ainda não há terra em cima
Ainda há como mudar
Daime sabedoria
Daime paz
Cante as baladas proibidas
Diga as palavras perdidas
Volte a voar
Luz
Vem para iluminar minha vida
Movimentar com mais batidas
Meu coração há muito já parado
Vem e senta do meu lado...
Chega todo amiguinho
Falando de mansinho
Pra me conquistar
Me segura pela perna
Meu corpo gela
E se incendeia com um convite para atuar
E entre sotaques e partituras
Nascem novas criaturas
Amigas...
Será?
Ao pôr-da-lua
Se estreitam
Na pedra se deitam
A observar o mar
E no teto do seu iglu
Fico vermelho, roxo, azul
Ao te ver se aproximar
Entrelaçamos então as pernas
Que pena!
De tudo não poder entrelaçar
Mas olha só que ironia,
Falta um i na poesia
Que nem preciso pronunciar
Te amo minha vida
Minha luz-negra, bandida
Luz a me apagar...
Mar
Mar
Misterioso e sombrio, mar
Me abra seus caminhos, mar
Deixa eu nadar contigo, mar
Pra essa lenda eu eternizar
Me conte da Runas e dos seus mistérios
Do povo do norte , da morte, dos ventos
Mar, me ensina a amar...
Me fale daquela que há muito me espera
Qual será seu nome e o perfume dela
Mar, me ensina a amar...
E mesmo que um dia
Eu tenha que te cruzar
Pro meu caminho encontrar e minha historia estrelar
Espero que vá comigo
Aonde quer que eu vá
Me ensine e seja meu amigo
Me ajude a me encontrar...
E encontrar a paz...
Meu reino
Meu reino por um local
Meu reino por alguém pra mim
Meu reino por seu corpo
Meu reino por mais um pouco
Chegou minha amiga
Com ventos e possíveis trovões
O mar agitado para beija-la,
Sacode-se
Entregando os barcos e pescadores
A própria sorte
Esse é o poder dela
Da mulher mais bela
Da dona da chuva
Meu reino pra ser como ela
Meu reino por um pouco do poder dela
Meu reino...
Pra mim
Meu tudo
Com vontade de te ter perto
Cheguei cedo e incerto
Do que vai acontecer
Não posso planejar
Fingir que só por hoje não vou te amar
Que pena
Jurei não me entregar mais
Mas seu cheiro, seu sorriso
O que tem no seu cheiro, no seu sorriso
Que me faz ficar assim?
Ai de mim!
Que de tão experiente voltei a ser criança
Quisera eu não te desejar
A cada segundo que te vejo
Espero o dia em que eu não vá me excitar
Com a simples menção do seu beijo
Ah seu beijo...
Que nunca tive
A moleza do seu espirito e a dureza do meu coração
Fizeram-nos cair num abismo de solidão
Nosso destino está traçado
Seremos sempre quase dois apaixonados
Dois quase apaixonados
Que não podem se amar
O que tem no seu rosto
Que não é o mais atraente que já vi?
O que tem no seu sorriso
Que não é o mais belo que já vi?
O que tem no seu perfume
Que não é o mais gostoso que senti?
O que tem em você
Que faz eu me perder de mim?
Por não saber
Que eu te amo assim
Necessidade
É necessário para
É necessário escutar
Pensar, refletir, lutar
É desnecessário estar
Somente por estar
É necessário amar
É necessário correr
Pular, brincar, dançar
É necessário esperar
E desnecessário se preocupar
Reparar, corrigir, consertar
É necessário voar
É necessário ficar
Gritar, berrar, urrar
E também
É necessário perdoar
O guardião da madrugada
A noite com seu ardor
Me envolve e me enlaça
O que será que nela tem
Que no dia me falta
Será a lua
O vento docê
Ou a sombra do nada
Que pouco a pouco me faz
Um guardião da madrugada?
Vagando rumo a lugar algum
Como um lobo uivante na noite estrelada
Seguindo um rastro
Sem cheiro, odor nenhum
Seguindo os passos da madrugada
E ao nascer o sol
Recolher-me-ei
Como uma criatura congelada
Deitar-me-ei e adormecerei
Aguardando uma nova madrugada
O segredo da montanha
O amor te pega as quatro e quinze
Em um emprego qualquer
A beleza do momento se converte em sentimento
E você começa a sentir
Acontece,
Tudo para de repente
E continua a acontecer
Mas o tempo não perdoa
Já não corre vôa
E já é hora de partir
Após quatro anos porém
Chega o cartão posta de alguém
Que vem visitar
A euforia, a lembrança
Torna-o de novo uma criança
Impaciente pra brincar
E entre cervejas e tragos
Espera o carro que leva catorze horas pra chegar
Mas chega
E o beijo na descida
Quase faz esquecer que já ouve uma partida
E deixa tudo recomeçar
O tempo porem, já foi além
E temos filhos para criar
Pessoas que nos amam para dormir
Com as quais vamos acordar
Não nessa semana
Nessa nossa semana
Nessa nossa montanha
A luz deste luar
Por essas matas caçar, nos rios nos banhar
E na cabana nos amar
Mas o desejo de não ser só uma
A semana a juntos passar persiste
Chega até a cogitar uma vida juntos
Largar tudo por um rancho
Pelo nosso rancho que em algum lugar não vai estar
E agora do céu te vejo chorar
Sem montanhas, nem ranchos lembrar
Que amavas a mim
Mas já não podes me beijar, só lhe resta minhas roupas afagar
E a mim
Cabe esperar por ti
Parece
Parece esquecido
O que antes fora lembrado
Parece adormecido
O mostro outrora acordado
Parece bonito
Mas acho que estou enganado
Tudo o que sinto, penso e falo
Não parece ser ouvido
E então eu reajo
Zôo, grito, danço, me acabo.
Me acalmo
E de volta ao princípio
Ao precipício, que por minhas mãos fora cavado
Penso comigo e reflito
O caminho já fora traçado
E sigo.
Perfeição
Meu mundinho perfeito
Cheio de pequenos defeitos
Onde sou rei e ladrão
Faço-me o senhor do mar
Da chuva e da escuridão
E vou vivendo nesse mundo
Blefando a beira mar
Enchendo a cara no farol
Sem ter ao menos com quem conversar
Escrevendo
Traduzindo em palavras
Sentimentos loucos
Que nem sei se sinto
Mas ao menos pressinto
Que a perfeição acabará
Engolida
Pelas ondas do mar
Que gargalhará
Ao me ter em seus braços
Perto de ti
Só quero de certo
Estar perto de ti
Ouvir suas besteiras
Sua voz
Ouvir seu canto
Cantado pra mim
Dormir com você inquieto
Após uma vodca e a vista de um céu aberto
Com mil estrelas pra contar
Eu quero é estar lá
Coberto pelo seu cobertor
Com as pernas enroscadas
Sentindo o cheiro da madrugada
Misturado ao aroma de cedro
Enfim
Eu só quero de certo
É você para mim.
É você só pra mim...
Prefácio da vampira
E eis que a criatura sedenta de sangue e lágrima
Melodramaticamente calma
A criatura da noite
Na noite encontrar-se-á consigo mesma
E renascerá
E voará para o céu azul pontilhado de brilhantes
Onde ornará seus sonhos
Com nebulosas e cometas
Estrelas cadentes
E junto a lua se deitará
E dormirá um sono profundo
Porém ao despertar nova criatura será
E não se reconhecerá olhando para si
E a face refletida no espelho
Mostrará a nova criatura
Plena, completa, imortal
E observando bem
Também verá o mau
Olharás o rosto de um predador
É a face de um animal
E quando o sangue de gosto doce
Os seus lábios tocar
Gargalhará
De dentro de sua garganta
E não mais dormirá
Nem descansará
Por toda eternidade
Primeiro dia
Com todo o peso de sua pouca idade
Pôs em minha vida o fantasma da mediocridade
E nesses joguinhos teatrais
Você vai me conhecendo
E eu vou me conhecendo
E aprendendo como se faz
Vou conhecendo minha conduta
O mais fácil me atrai
Mas eu tenho que ir a luta
E mostrar que eu sou capaz
Buscar O Bom Combate
O verdadeiro embate
Testar-me ao máximo
E sentir no novo dia o cheiro da alegria
E não esse gosto ácido
A mediocridade do meu interpretar
Aprendendo contigo
Vai se aprimorar
Até equiparar-me a ti
E aí,
Com todo o peso da minha pouca idade
Saberei no fundo
Que reencontrei a mim
Redundante
Novamente aqui
Pensando as mesmas coisas
Olhando a beleza alheia refletir a minha
Que soa tão feia
Estou amando
E penso em ir até você
Mas lembro de suas palavras
Tão frias, mortas, mortíferas
Más
Penso então em fugir, sumir
Penso em voar
Falta em mim a esperança
A interna criança
Ou o mostro do mal
Não sei a qual pedirei companhia
Pedirei dinheiro, carinho
Abrigo, amor
Decido então seguir a vida
Que ela me leve onde desejar