Lua Pinkhasovna
Verborragia
É nos confins das mentes silenciosas
Que adormecem os verbos pungentes
Inflamados por salivas raivosas
São ricos em sentimentos latentes
Os sons que os ouvidos guardam
Reverberam pelos séculos encerrados
Emergem em meio a noites nubladas
E transbordam nos travesseiros
As noites longínquas agonizam em meio às luzes oscilantes da lua cheia
Solitária e flutuante
Despede-se no raiar do dia enquanto deixa seus apaixonados carentes
No embalar da melancolia
Em meio aos minutos escorridos
Com a cabeça latejando o vácuo
O grito se torna inaudível
O peito refreia todas aquelas emoções
Adormecidas
Mas os ouvidos inocentes
Não possuem proteção contra os sentimentos penetrados
E no epílogo do corpo
Eles são apenas a porta de entrada das emoções
Não são eles que sentem
Os sons são carregados pela veias que os levam até o coração
Esse quieto e dormente
Sente mesmo com sua derme grossa
Roupa que o veste
E sua clava de ossos na frente
Sua eclosão se dá para o corpo inteiro
Da ponta dos dedos
Percorrendo pela pele
Passa pelo rosto
Chega até a cabeça
Assim seus circuitos são acionados
Suas sinapses erram os trajetos corriqueiros
Uma tropa de pensamentos de berço
Voltam a sibilar raivosas na mente
As letras liquidificam-se
Perdem-se entre as vísceras
Preenchem os espaços
Até não mais caber e sair pelas chuvas torrenciais do corpo
A alma não escuta, não fala,
Pois quem sente é a carne
Que se desmancha em gotas pela face
Quando as palavras perversas,
Deveras diretas, a fazem pingar.
Léxico dos Sentidos
Cansei de regras
Teoremas
Cansei das ênclises
Próclises
E sempre detestei as mesóclises
Querer-te-ei?
Como poderia querer-te no futuro?
Ter você agora seria o único presente mais que perfeito aceito pelas minhas linhas
Preciso criar um novo tempo pro pretérito
Um que eu possa usar em qualquer texto
E sirva para todos os momentos com você
Eu quero rasgar o verbo
Expulsar todas as minhas hipérboles
Como alforria
Quero gritar interjeições
Sem analogias
Quero a palavra nua
E sentir todos os paradoxos da minha existência saindo pela boca
Não quero o uso correto do idioma
Quero gaguejar
Me lambuzar nos erros
E delirar entre as palavras tão livres expressadas
Quero cuspir palavrões
Buscar o sentido pejorativo
Escrever fora das linhas
Rabiscar tudo escrito
E quem sabe rasgar a folha
Quero me libertar da minha forma humana
Amar outras espécies
Afiar minhas presas
Usar minha prosopopeia
E me transformar em quem
talvez seja quem de fato sou
Eu quero a sinestesia
Aprender
Prender
A tua língua em mim
E jamais usar amar no verbo oculto
Eu quero abusar dos neologismos
E encontrar a palavra exata que sirva como palíndromo
Que mesmo que você leia de outras direções, o sentido será o mesmo
Mas antes, não se esqueça de respeitar meus parágrafos
Pois são eles que definem o começo
das minhas histórias
Então, engula minhas reticências
Não pause nas vírgulas
Saboreie cada silêncio
E você estará sentido o verdadeiro gosto do meu léxico
E o que vem depois serão palavras sinceras
sem pontos finais.
Fruto Proibido
A carne adocicada da fruta-pele
desliza ao céu da boca
amaciando a fome com seu gume
tirando lascas da língua
inocente de sua safra
chega ao estômago mostrando
ter apenas sabor idêntico,
e num simples deslizar sorrateiro de garganta
se desfaz de suas cascas de alimento
revelando ser fruto proibido
pronto pra saciar a vida
do degustador sedento pelo seu
sumo.
Gaiola
Tec tec tec
bicava o poleiro
o pequeno Bem-te-vi
simulando ser os galhos dos pinheiros
por onde vida toda a cidade
Nunca esquecera aquele dia
em que uma mão muito ágil
olhou para si, elogiou seu canto
e o levou para bem longe daquelas árvores
Cada vez que recordava,
era tec tec tec
bica bica bica
canta canta canta
"Bem-te-vi, Bem-te-vi, Bem-te-vi"
enganando o tempo
fingindo ser um cantor
e não um prisioneiro.