Lorrayne T.
Vivemos nas nossas pré-liminares há meses a fio, eu e você.
Não, eu não reclamo, porque o nosso ato final ainda não pode ser consumado, somos duas amantes que saem na calada da noite escondidas sobre o véu da escuridão para nos amarmos assim, aos poucos, para mantermos o corpo aquecido, a chama acesa. No nosso vai e vem, o sangue fervendo, os corpos quentes clamando pela presença um do outro... o nosso sentimento vai se mantendo intacto, irrefreável, intocado pelo tempo, ele não perde a cor, o cheiro ou a textura. Ao nos mantermos nessas pré-liminares enquanto nossos corpos se deleitam com outros amores, conseguimos nos manter juntas mesmo que separadas, e como nossa história nunca foi feita com simplicidade, continuamos cumprindo nosso roteiro de "casal perfeito porém confuso", nossa estrada desde o começo sempre teve muitas curvas, desvios e trechos esburacados.. tropeçamos muitas vezes, paramos.. e agora podemos dizer que na bifurcação que havia a nossa frente, cada uma resolveu seguir uma direção, mas é claro pra mim.. e espero que pra você também, que nossos 'atalhos' se unem mais a frente, uma vez que nossa estrada é uma só. E eu te prometo que, quando a hora chegar, te carregarei nos braços, te encherei de beijos e seguiremos juntas pro nosso destino: a felicidade.
Tanta coisa acontece lá fora, tanta gente se vai, tanta gente some, tantas vão embora por escolha, tantas ficam por preguiça.. confesso ser muito complexa esta história de saber em quem confiar, em quem acreditar, em quem amar... a vida é complexa e os sentimentos são aquelas peças mais complicadas do quebra-cabeça, aquelas que você não sabe ao certo aonde se encaixam, e, quando se é mais novo, acabamos por encaixá-las nas peças erradas na maioria das vezes, e o resultado final é um tanto quando desastroso, o desenho perde a forma e a figura já não é tão bela.
Vez ou outra conseguimos, num passe de mágica, encaixar as peças certas.. ou pelo menos uma encontra o encaixe perfeito no nosso quebra-cabeça, uma vez encontrada essa simetria fica difícil desfazer a figura, mesmo perdendo uma peça ou outra no meio do caminho, a memória mantém intacta a figura que um dia se formou ali. Eu chamo isso de amor. Pode ser amor de amigo, irmão, pai, mãe, filho.. ou o amor.. aquele amor, amor de cheiro, cor, calor.. amor de corpo, carne, sangue... amor completo, intocado, intenso.. aah... aquele amor.
Porque chega uma hora na vida... em certa altura.. que você se cansa da rotina, dos sentimentos sem sal, das palavras sem cor, do mundo sem cheiro e gosto, do mundo que não se pode tocar. E fica na incerteza: Este ciclo acabou ou não? O que fazer com seus grandes dilemas, grandes amores, grandes sonhos? Insistir em realizá-los ou deixar tudo entregue à qualquer força que haja pelo mundo, um Deus, um espírito, um elemento? Deve-se botar um fim no que sempre te causa certa angústia aqui e ali ou os bons tempos, boas lembranças e bons amores fazem a angústia valer a pena?
Quero que saiba que me completa. Que quando some deixa um buraco sem fim aqui dentro, que nada e nem ninguém é capaz de preencher. Que é intenso, que é verdadeiro, que não tem fim.
Que o nosso sentimento envolve todas as cores, do preto ao azul mais claro. Que envolve todos os sabores, amargos, doces e até os levemente cítricos, só pra dar água na boca.
Que abrange os mais belos perfumes. O sol, a lua, a chuva... a grama molhada numa tarde fria, o vento na cortina, o chocolate quente na cama, aquela música que a gente tanto quer dançar tocando na pista, o livro que não sai da cabeçeira, a foto que não sai da carteira, o cinema com pipoca e tudo mais, a tarde entre amigos, o teu sorriso, o nosso abraço, o nosso mundo.
Vejo nuvens formando desenhos no céu e tento tocá-las com dedos ansiosos. Quem sabe no tocar elas se desfazem feito algodão doce no céu da boca. E me pergunto que sabor teriam. Se eu as tocasse, o que fariam?
Sempre que chove observo a água que se junta no chão. Vejo ondas do mar, o sossego da lagoa e a correnteza leve do rio, tudo ali.. junto. Por sermos feitos praticamente de água, será que ao me desfazer num futuro próximo virarei rio que passa, correnteza que leva o que se põe no seu caminho? Ou serei a lagoa calma, sempre ali, embelezando a paisagem de outro alguém? Não posso esquecer a possibilidade de virar mar, infinito. Seria tão bonito!
Quando o vento brinca com meus cabelos, vejo folhas e flores sendo levadas mundo afora. Me pergunto se as fadas se deixam levar ou se escondem-se dentro do oco das árvores esperando a hora certa de sair brincar. Mas se o vento brinca com meus cabelos, posto que de fato é brincalhão, porque não brincar com as fadas como amigos no verão? Confuso então...
Noite de inverno, fogo alto na lareira. Será que se eu focar a vista consigo ver salamandras brincando nas toras que ardem incansavelmente? Será que brincam ou se escondem? Chamas vão alto e logo se abaixam, salamandras brincalhonas, dançarinas exemplares num ballet incendiário. Mas se escondem-se, me pergunto do que têm medo.. posto que fogo só teme à água e mesmo ela nem sempre é capaz de contê-lo. Será que a natureza impõe limites ao ballet dos lagartos de fogo? Ou seria isso um jogo?
Abro álbuns de fotografia, vejo fotos da infância. Saudades de brincar com a terra, elemento primordial de tudo, o próprio pó, o chão, a base. Olhos de criança criam bolos, bonecos e brinquedos diretamente da Mãe. Imagino se ela briga com seus filhos, nós, crianças humanas, quando voltamos pra casa com a roupa suja da nossa brincadeira... mas veja só, a sujeira não recebe esse nome visto que é terra e é Mãe. O que fará ela então? Tornar-se-a brinquedo novamente ou se desfalecerá como castigo às crianças? Idéias aqui me passam.. e são tantas...
Que fique entre nós a urgência e o significado disso tudo,
Aqui dentro... aí dentro, guardado.
Dentro de uma caixa de Pandora que ao invés de guardar certos males,
guarda apenas o que sentimos, aqui e aí.
Meu e teu, seu e meu... nosso apenas.
E que saiba.. aí, que aqui, você me basta
Troco os canais da televisão compulsivamente, é só um hábito ordinário meu, uma vez que estou tão desligada pensando em você que não presto atenção nas figuras que se mexem ali na tela de sei lá quantas polegadas. O cigarro no cinzeiro já virou cinzas, a fumaça que levanta é do filtro queimando em vão, estou estática.
Garrafa de vinho vazia no chão, taça cheia na mão... balanço pra lá e pra cá, como aqueles provadores em concursos sabe? Encosto a taça perto da boca, inspiro a embriaguês, cadê você?
Meus olhos já sonolentos pelo álcool vasculham o quarto te procurando. Os lençóis arrumados na cama. Suas roupas no armário. Aquela nossa foto tirada num final de semana no campo toma conta da minha procura, fixo-me no seu sorriso.
Cansei de dormir ali naquela cama sozinha cara, é muito grande, me perco nos lençóis, grito por você nos sonhos e você não aparece na minha porta de manhã... deprimente não?
O vinho acabou, são três da manhã, acendo outro cigarro. Ligo o rádio naquela estação que você sempre deixa programada pra nos despertar todos os dias, porque eu fiz isso? Todas as nossas músicas tocando em sequência, é complô! O rádio, sinto você em cada nota musical que sai dele, todas as vozes parecem com a sua quando chegam em meu ouvido já cansado de tanto silêncio, cansado da tua ausência aqui.
Perdi o calendário, é, aquele aonde você marcou o dia do seu retorno dessa viagem de última hora pra ver seus pais, e agora eu não sei quando posso acordar sorrindo com você aqui, burrice a minha né? Vasculhei o apartamento todo, todinho mesmo, encontrei bilhetes e cartas antigas, fiquei relendo sentada no chão da sala, que saudades...
Cinco da manhã, me deito na cama gigante, nesse buraco fofinho que você deixou aqui, aí o álcool faz o seu efeito, adormeço.
Um brinde ao meu fracasso, ao nosso descaso e ao mundo confuso e cheio de distâncias entre as mãos e o coração.
Assim, entenda que meu coração bate involuntariamente, é óbvio. Entenda que o motivo para que ele continue batendo dia após dia, hora após hora.. é você.
Imagine que o verde dos seus olhos é o combustível que faz tudo aqui funcionar, que o seu sorriso é a luz que ilumina o meu caminho sempre que me perco no mar de dúvidas que vive me rondando, que a sua boca me chama baixinho na calada da noite e me faz continuar andando só pra te alcançar.
Entenda que você é meu tudo, meu mundo, meu bebê, minha menina, minha mulher, minha vida.
Consegue captar a essência disso tudo?
Conseguiu? Agora multiplique por dez, cem.. não, multiplique por mil! Feito? É, isso é um décimo do que eu realmente sinto. Gigante não é? Tudo seu.